Inquisição condenou veementemente devoção a São Guinefort, procurado principalmente por mães aflitas em busca de curas milagrosas para filhos doentes
BBC News
Por volta do ano 1200, uma trágica história teria ocorrido em um castelo na região de Lyon, então parte do Sacro Império Romano-Germânico, atual França. O casal de nobres que ali morava precisou sair para resolver problemas no povoado vizinho. Durante a ausência, o filho deles, um bebê, ficou sozinho no quarto.
Quando eles retornaram, encontraram o cômodo todo bagunçado, com marcas de sangue pelo chão. E o cachorro que ali vivia, um galgo chamado Guinefort, veio ao encontro deles. Tinha sangue em sua boca.
Desesperado, o homem não teve dúvidas: aquele cão havia matado seu filho. Em um segundo, com sua espada, ele decepou o animal.
Mas alguns minutos depois, o casal percebeu que havia cometido uma grande injustiça: enquanto o bebê estava dormindo tranquilamente, uma cobra perigosa estava trucidada, morta, ao canto do quarto, com a cabeça arrancada. Sim, o cão havia matado a cobra para proteger o filho. Havia sido um herói.
Profundamente arrependido, o homem mandou providenciar um enterro com honras para Guinefort, com direito a lápide. Aos poucos, a história acabou ganhando contornos de lenda, aumentada e espalhada. E o local se tornou um ponto de devoção popular.
Mais que herói, Guinefort havia se tornado um santo. São Guinefort. Procurado principalmente por mães aflitas em busca de curas milagrosas para seus filhos doentes.
Mas no entendimento da Igreja, havia algo errado. Venerar um animal parecia mais idolatria do que cristianismo. “A Igreja, de fato, condena a prática da veneração a animais, porque a tradição católica entende que a santidade é uma dádiva concedida por Deus especificamente ao ser humano, que foi criado à sua imagem e semelhança”, explica o estudioso de hagiologias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.