terça-feira, 1 julho, 2025
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“Nosso inimigo comum é a falta de diálogo”

Entrevista com Marilena Winter, por Marcus Gomes – Primeira mulher a presidir a OAB do Paraná, advogada defende pluralidade de ideias, destaca evento histórico realizado há 45 anos e diz que entidade está preocupada com a segurança jurídica no país

Há semelhança entre a conferência nacional da advocacia, realizada há 45 anos, e o evento estadual promovido pela OAB do Paraná nesta semana?

Vivemos, felizmente, sob um regime democrático. Mas sobre as instituições construídas na reabertura pós-ditadura e consolidadas pela Constituição, pairam ameaças que são muitas vezes multiplicadas pelas fake news. Nesse sentido, como em 1978, a advocacia é chamada a reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito, com a justiça e a liberdade. Por isso, a diretoria da OAB Paraná resolveu, para planejar a 8ª Conferência da Advocacia Paranaense, buscar inspiração na VII Conferência da OAB, evento nacional realizado aqui em Curitiba, sob a condução de Raymundo Faoro e de Eduardo Rocha Virmond, com a participação de grandes juristas da época, que ajudaram a construir teses que foram fundamentais na retomada da democracia.

É ao mesmo tempo uma homenagem aos que estão nesta luta antes de nós e uma orientação para o caminho a seguir, pois o papel da geração atual é, ao mesmo tempo, proteger o Estado de Direito (à época ainda sob o peso da ditadura militar) e a democracia, e assegurar a continuidade do processo democrático (ainda em construção e sob constantes ameaças em várias partes do mundo).

Ao estudar esse encontro que marcou o clamor pela retomada do habeas corpus e pelo fim do AI-5, ficou claro que a chave de Faoro e Virmond foi o amplo espaço para ouvir as vozes da advocacia. É o que temos feito para esta conferência estadual que, pela primeira vez, começou com encontros em dezenas de subseções e etapas prévias realizadas em sete cidades. Essa jornada tem nos permitido dar espaço para que cada advogado e cada advogada fale que o pensa sobre os temas mais relevantes do momento para nossa profissão e nosso país.

Um dos convidados da conferência deste ano é o professor da FGV-SP, Oscar Vilhena, conhecido pela expressão “supremocracia” que trata, academicamente, do ativismo judicial do STF. A senhora acha que o Supremo tem passado dos limites?

Vivemos tempos conturbados, marcados por uma polarização de ideias sem precedentes, em parte devido à rápida disseminação das ideias propiciada pelas redes sociais e aos novos instrumentos de comunicação que facilitam a livre expressão. Esse ambiente tende a impelir pessoas e instituições a esquecerem o esforço coletivo, o bem comum, e a priorizar soluções que atendam a expectativas e interesses individuais. Não podemos achar que o problema está circunscrito à esfera de atuação de um ou outro magistrado, de um ou outro ministro, promotor ou advogado. O inimigo comum talvez seja a falta daquilo que sabemos ser essencial para a vida em sociedade e que está na base das democracias: diálogo que possibilite o convívio de ideias plurais, decisões colegiadas, impessoalidade, regras claras e bem observadas e respeito às instituições plasmadas numa constituição democrática. Podemos, claro, refletir sobre o papel do STF, de outras cortes, de todas as instituições e as pré-conferências realizadas no interior deixaram claro que há uma preocupação mais acentuada da advocacia, hoje, com a segurança jurídica.

STF

Um dos aspectos destacados nos debates prévios tem sido a reflexão sobre os impactos da concentração de poder sobre as bases democráticas do sistema, inclusive, no que diz respeito ao uso das decisões monocráticas no âmbito do judiciário e da jurisdição constitucional. Isso tudo será objeto de debates na conferência, com grandes nomes do direito, professores, pesquisadores, teóricos e também profissionais atuantes na advocacia e que conhecem seus enfrentamentos cotidianos, que servirão de base para as reflexões de todos. Mas isso deve ser feito de maneira desarmada, sem julgamento prévio, por meio de ampla discussão e acima de tudo, com confiança nas nossas instituições e tendo como fio condutor a essência democrática da nossa Constituição e seu núcleo fundamental.

O professor Oscar Vilhena é um autor contemporâneo fundamental nos dias atuais, e a sua obra recentemente reeditada sobre o poder reformador da Constituição, também na expressão “supremocracia”, têm inspirado importantes debates sobre os limites da jurisdição, das reformas, tendo como base a preservação da essência do Estado Democrático. Esse conjunto é, afinal, o cerne daquilo que juramos praticar cotidianamente como operadores do direito.

Os preparativos para a 8ª Conferência da Advocacia Paranaense contaram com reuniões prévias nas sete principais cidades do estado e outras 40 nas macrorregiões? Isso representa um diferencial em relação aos eventos anteriores?

Sem dúvida. Nossa profissão demanda estudo permanente – algo tão primordial que está inclusive em um dos mandamentos do decálogo de Eduardo Couture. Por isso, são sempre bem-vindos os seminários e eventos aos quais comparecemos para aprender e ouvir. Mas para esta conferência, sob a inspiração de 1978, optamos por um caminho distinto: escolhemos ouvir a classe, deixar que as vozes da advocacia se manifestem para, assim, construirmos as teses que nos representem de modo global. Com essa premissa posta, ficou claro que precisaríamos dos eventos preparatórios que nos permitiram ter mais tempo e mais alcance para a construção dessas teses.

Possibilitar que os grupos de debate discutam temas mais amplos na conferência tem como objetivo produzir um documento único ao estilo “Carta de Curitiba”?

É muito importante lembrar que a conferência Estadual é um órgão consultivo da advocacia, previsto regimentalmente, com atribuição específica de fazer recomendações à diretoria. Logo, a diretoria tem o dever de ouvir a conferência (o colégio dos advogados) da forma mais ampla possível. E também levar essas conclusões e recomendações à Conferência Nacional, que ocorrerá em novembro, em Minas Gerais. Como é praxe, teremos, sim, um registro das vozes da advocacia. Mas ele não se limita a uma carta, pois estará presente já no início da conferência, graças às etapas preparatórias. Mais que uma carta, que seria um registro daquilo que temos debatido, buscamos chegar ao final de outubro com deliberações sobre grandes questões da nossa profissão e do país. Essas deliberações darão um norte para a atuação da OAB Paraná, sempre prezando pelo espírito democrático na condução dos temas de interesse da classe.

Folha de S.Paulo de 1978, sobre a “Carta de Curitiba”. Reprodução

Como foram escolhidos os temas da conferência?

Os temas foram sendo trazidos pela própria advocacia em todas as regiões do nosso estado. Foi incrível acompanhar o envolvimento geral nos debates em todas as etapas prévias. A advocacia tem muita contribuição a dar ao país e não está se omitindo. Tem participado intensamente dos debates. Como resultado, teremos uma conferência plural e representativa da nossa classe.

Com mais cerca de 1.500 inscrições, a conferência já é a maior realizada pela OAB no estado?

Em termos de evento híbrido (permitindo a participação presencial e virtual) é a maior. Mas o número, nessa análise, é o que menos conta. A grandeza desta conferência estadual está em primeiro lugar na multiplicidade de vozes, na oportunidade para que cada advogado e cada advogada fale sobre os temas que consideram mais prementes. Esse modelo de escuta ativa foi a marca das primeiras conferências da OAB, quando o número de inscritos ainda era bem menor, e estamos retomando agora, de forma ampliada e buscando praticar a pluralidade e a confiança no diálogo e participação num ambiente democrático com grande entusiasmo. Outro fator que torna grande esta conferência é a abrangência temporal e geográfica. Temos percorrido o estado todo desde o início de agosto. São três meses debatendo e construindo consensos sobre temas de grande interesse da advocacia. E por fim, não menos importante, outra grande inovação desta 8ª Conferência da Advocacia Paranaense é o envolvimento dos estudantes, nossos futuros colegas, com a competição simulada de Direito Civil, o Moot. Todos esses aspectos concorrem para que seja esta a maior conferência já realizada pela OAB Paraná.

Trazer a final de um júri simulado para a conferência é uma forma de aproximar alunos do direito com a realidade processual? Como foi a preparação para o Moot? O objetivo foi alcançado?

Isso mesmo. A competição de processo civil (não propriamente um júri) representa uma expressiva contribuição para os estudantes, que podem vivenciar na prática o que farão depois de ingressar na advocacia, e ao mesmo tempo um ganho para nós, que já atuamos na profissão. Os acadêmicos renovam nosso entusiasmo e têm trazido novas perspectivas sobre o ensino jurídico. É apaixonante ver o empenho que têm tido ao longo do Moot. Mais que atingido, o objetivo da OAB Paraná com essa competição foi superado: tivemos que ampliar o número de participantes em função da imensa procura. Foram quase 100 equipes de instituições de todo o estado. Uma verdadeira lufada de ar fresco que vem a calhar nesta quadra em que nos dispomos a discutir sobre os rumos da profissão, um dos eixos da 8ª Conferência.

Sede da OAB Paraná

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, e também a senhora, em encontros recentes com o ministro Alexandre de Moraes, manifestaram sua insatisfação com a inobservância do STF às prerrogativas da advocacia, principalmente no que se refere ao julgamento dos réus do 8 de janeiro. Qual foi a resposta dele?

Após nos ouvir atentamente, ele apresentou argumentos sob a perspectiva do STF e disse que levaria as questões ao conhecimento dos outros ministros. Integrei a comitiva do Conselho Federal da OAB e de seccionais em uma audiência com o ministro Alexandre de Moraes no dia 26 de setembro. Nosso propósito foi requerer o respeito ao direito de sustentação oral em julgamentos na corte. A defesa ocorreu após o tribunal pautar para o plenário virtual, sem anuência da advocacia, julgamentos referentes aos atos de 8 de janeiro, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A advocacia defendeu a necessidade do respeito ao direito constitucional do jurisdicionado, imprescindível ao exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade do processo, segundo jurisprudência do próprio Supremo. Somamos a voz da advocacia paranaense para defender a imprescindibilidade da sustentação oral, uma das mais importantes prerrogativas da advocacia, garantia do pleno acesso à Justiça, da ampla defesa e do contraditório. É um tema que merece toda nossa atenção e comunhão de esforços.

O Senado discute mandatos para os ministros de tribunais superiores e a elevação da idade mínima de 35 para 50 anos aos postulantes ao cargo. Qual sua opinião?

Repensar o modelo de atuação das instituições é saudável e faz parte do cotidiano de um Estado Democrático. É claro que o ingresso numa alta corte exige maturidade pessoal e grande vivência profissional e conhecimento jurídico. Não se trata de fixar uma outra idade como limite, o que defendo é que a questão seja debatida amplamente e que envolva também outros aspectos da atuação do STF, sobretudo o respeito ao direito e sustentação oral em julgamentos, que foi o teor da reivindicação levada pessoalmente pela OAB à corte no fim de setembro.

Chama a atenção o fato de que dos 11 juízes do STF, ao menos oito não são juízes de carreira. Preocupa-a essa ‘advogadização’ do Supremo?

Os critérios de escolha são definidos na Constituição Federal e não existe a obrigatoriedade de os ministros serem egressos da magistratura, portanto, isso não é uma fonte de preocupação.

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