Por Marcus Vinicius Gomes – Morreu Luiz Gonzaga Paul, aos 93 anos, e os jornais não deram pelota. Restou o que diz o obituário. Data de falecimento: 14 de maio de 2024. Profissão: professor. Paul, que tinha nome de tocador de sanfona, mas sobrenome alemão, foi o coordenador de um serviço da prefeitura de Curitiba que acaba de completar 39 anos: o telegramática. Se nem mesmo a comunicação social do município deu nota, há de se execrar o jornalismo em todas as frentes, até mesmo aquela a serviço do rei, E mais não se diga porque já foi tarde o Carnaval.
Sacrilégio. Fosse por Paul, neto de alemães com origem na cidade de Rennersfeld, que ele chamava de fim de mundo, e a reforma da língua portuguesa ocorreria a cada 25 anos. Formado em Letras, Filosofia e Direito na UFPR, Paul não foi o criador do serviço de Telegramática, o crédito deve ser dado a Beatriz Pàciornkik, mas certamente foi sua criatura. Encarregado da função de resolver os atropelos da língua, ele trouxe de casa livros de sua biblioteca particular para que nada, ou quase nada, ficasse sem resposta.
Alguma coisa ficou. Em 1990, com o serviço funcionando em expediente de oito horas – das 8 às 12h e das 14 às 18h – Paul recebeu a ligação de um consulente indagando o significado da palavra “popelírio”. Foi um deus nos acuda. A equipe de quatro funcionários foi encarregada de percorrer as estantes de 400 gramáticas e dicionários e não resolveu a dúvida.
Era um período pré-internet em que tudo se resolvia nos arquivos ou nos livros – o Google sequer fora pensado. Resultado: o termo ficou no ar porque não dicionarizado. Até hoje não se encontrou seu significado. Este escriba acaba de digitar no serviço de buscas. Nada. Se foi um neologismo, se foi uma artimanha, se foi uma pegadinha, ai de mim.
Evidentemente, o serviço não se resumia (e não se resume) à descoberta das palavras. Havia perguntas acerca de uso de locuções, da flexão do verbo no infinitivo e do elementar uso de pronomes demonstrativos como “esse” ou “este”.
Os casos mais simples, no entanto, poderiam ser também os mais intrigantes. Um pai telefonou dizendo que havia proposto o seguinte desafio ao filho: “Quantos patas têm três patos?”. Ele se referia à pata, mulher do pato, ou à pata, pé do pato? No imbróglio gramatical decidiu-se que, sim, pato tem pé e pato tem pata, que é pé. A pata, que é a fêmea, não paga o pato. E mais não se disse. Entendeu?
O serviço continua ativo e já ultrapassou a marca de mais de 1 milhão de atendimentos. E a regra de ouro que Paul baixou continua valendo: nada, nada mesmo é respondido sem fundamentação. Recorre-se, pela ordem, ao Aurélio, à Enciclopédia Mirador e, finalmente, ao Webster. A internet serve como auxiliar porque não é mesmo capaz de resolver a questionamentos cruéis. O que é mesmo livroxada? E palonço? Já ouviu falar em ulyssista?
Para não deixar o consulente sem resposta, o serviço municia-se das obras à disposição nas livrarias e editoras. Recentemente, o Telegramática juntou à sua estante os títulos da professora Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora, entre outros, de “Não Tropece na Redação” e “Não Tropece na Língua”. Os livros foram editados pela Bonijuris e são seminais quando as dúvidas batem à porta, desesperadas.
Paul nasceu em 21 de dezembro de 1931, na Rua Paula Gomes, em frente a um orfanato de freiras. Um dia passou, no céu, um dirigível chamado Hindenburg. Foi uma lembrança que ele preservou de sua ascendência germânica.
Na edição 10 de Vozes do Paraná, Paul foi um dos personagens retratados pelo professor Aroldo Murá.
Telegramática, criada por Luiz Gonzaga Paul, deu um alô à língua portuguesa