O arquiteto, que coloca a ética e valores da doutrina cristã em suas opiniões, prega: “Está na hora de o planejamento urbano abrir espaço para os jovens… E propõe que o urbanista volte-se para novas realidades, adotando, por exemplo, a “gentilezaurbana”.
Salvador Gnoato, 71, é um raro quadro da arquitetura paranaense, não só pela maneira “low profile” com que executa seu trabalho de alta expressão; mas sobretudo porque há anos pontifica na PUCPR, onde é professor da cadeira do Pensamento Crítico da arquitetura do Paraná. Vem formando gerações de novos profissionais.
Como analista da arquitetura, PhD na área, não quer dizer que o educador não esteja na linha de frente da arte arquitetônica, no seu dia a dia. Seu escritório, o portfólio de sua obras, além dos livros que escreveu sobre o tema o colocam em posição privilegiada. Quase única.
E tudo sob a acolhida do segundo Curso de Arquitetura e Urbanismo a ser criado no Paraná, o da PUCPR. Acompanhe a entrevista que fiz com Salvador Gnoato. Ele não esconde uma opinião forte: “Está na hora de instituições de planejamento urbano de Curitiba abrirem espaço para as novas gerações…” Caso, então, do IPPUC.
AM: Você é bom analista da cidade de Curitiba. Por isto, pergunta-se: a cidade está seguindo corretamente as propostas do Plano Preliminar de 1965?
R) Em 1965 o arquiteto paulista Jorge Wilheim, contratado pela empresa Serete, apresentou um Plano Preliminar de Urbanismo que em seguida foi amplamente debatido pela equipe local de arquitetos, engenheiros e funcionários da prefeitura no escritório Forte-Gandolfi.
Entre seus principais conceitos destacam-se: um plano aberto com acompanhamento contínuo através da criação do IPPUC; uma proposta de adensamento vertical ao longo de Eixos Estruturais acompanhando o crescimento natural da cidade; e uma visão humanista valorizando o Centro Histórico, o pedestre e a identidade da cidade.
A partir de 1971, contando com uma equipe coesa e amadurecida, Jaime Lerner colocou em prática o novo Plano, cujas principais ações foram a criação do calçadão da Rua XV e início da implantação do Bus Rapid Transport – BRT, reconhecido mais tarde pelo Banco Mundial como uma criação curitibana. Consolidado como Plano de Curitiba, passados quase sessenta anos, suas premissas originais, continuamente ampliadas e atualizadas, permanecem inalteradas em sua essência.
É HORA DOS NOVOS…
AM: Se você estivesse no IPPUC, que linhas mês-tras indicaria para a chamada “Sorbonne do Juvevê”?
R) Esta fama se deve à ferrenha defesa do Plano de Curitiba no momento de sua implantação nos anos 1970, que contava com a participação dos mais atuantes arquitetos da cidade. Naquela ocasião, eu fiz um estágio como estudante no IPPUC. Como o Plano de Curitiba está consolidado e a cidade possui um expressivo número de profissionais com múltiplas visões, já estava mais do que na hora de uma nova geração participar no desenho urbano da cidade, contando com maior abertura e debate do IPPUC com a sociedade.
AM: Ousadia em urbanismo comporta, em Curitiba, planejar o futuro, rompendo com barreiras e cculturas, como foi feito a partir de 1971? Cite exemplo dessa ousadia necessária.
R) Desenvolver o plano de Jorge Wilheim, se contrapondo ao Plano Agache e sua visão tardia de urbanismo francês, Curitiba “pulou” os conceitos do Plano Piloto de Brasília. Jaime Lerner, Lubomir Ficinski e Rafael Dely acompanharam o momento de vanguarda europeu dos anos 1960 de valorização do centro histórico aliado a um desenvolvimento urbano de reconhecimento dos traçados originais das cidades existentes. Importantes também foram as críticas da ativista norte-americana Jane Jacobs, salientando que uma cidade viva e atraente deve permitir que suas ruas atendam a usos habitacionais e comerciais nas diversas horas do dia e durante toda semana, destinadas para diferentes classes sociais.
VIVE-SE OUTRA REALIDADE
E prossegue Gnoato respondendo à pergunta como entende ser “ousadia necessária” da Curitiba de hoje: – Neste início de século XXI, estamos vivendo outro contexto cultural, com enfoque na sustentabilidade, no uso de tecnologia digital e em novas alternativas de mobilidade. Além de ampliar as áreas verdes e os espaços públicos para pedestres, poderíamos desenvolver um processo de “gentileza urbana”, um civilizado convívio entre automóveis e outros meios de circulação, sempre com baixa velocidade, como já vem acontecendo nas vias centrais de Curitiba.
Um grande investimento em infraestrutura, de modo colocar no subsolo a imensa rede de cabos presente na cidade, despoluiria a paisagem urbana, além de possibilitar mais segurança para a população.
Precisamos de mais “acupuntura urbana”, com intervenções pontuais de aprimoramento do desenho urbano, uma vez que a estrutura da cidade já está consolidada. Teremos também novas configurações arquitetônicas advindas do trabalho em home office alinhadas com novas alternativas de mobilidade urbana.
MANTENDO FIDELIDADE
AM: Como descreve sua atuação profissional?
- R) Estou me dedicando à linha de ação que desenvolvo desde minha formatura em 1977.
As “casas irmãs” de Fausto de Melo Correa e Ivo Zagonel Junior, junto com a Sede Administrativa da Sanepar, possuem uma influência “brutalista” advinda de meus professores da UFPR, conhecidos como “Grupo do Paraná”, em função da fama em suas conquistas em concursos nacionais de arquitetura. Outros projetos, como o Anexo da Sede da Celepar e o Cenáculo Arquidiocesano no Largo da Ordem, apresentam outra linguagem, sempre com a preocupação do contexto urbano e uso correto dos materiais. Também em Curitiba elaborei o restauro e retrofit do Palácio da Justiça no Centro Cívico, cujo projeto original de Sergio Rodrigues compõe o acervo da Arquitetura Moderna Brasileira.
AM: Sua escolha pelo magistério na PUCPR, de que forma se deu e como define essa ação? Quais os frutos mais salientes da escola de arquitetura da PUCPR?
R) Aliando sólida cultura humanista com ética cristã, desenvolvi meu interesse por artes plásticas e arquitetura, de modo que quando entrei na faculdade já conhecia Le Corbusier, Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
Comecei a dar aula na PUCPR em 1986 e, sem deixar de projetar e lecionar, nos anos 1990 fiz mestrado e doutorado na USP-São Paulo, onde conheci Abrahão Sanovicz, Carlos Lemos, Ciro Pirondi, Joaquim Guedes, Julio Katinsky, Paulo Bruna e outros mestres paulistas.
Tive a oportunidade de ser o responsável local pelo Mestrado em Arquitetura realizado em convênio com a UFRGS, coordenado por Edson Mahfuz e Carlos Eduardo Comas, quando foram produzidas inúmeras dissertações sobre arquitetura no Paraná. Em 2005 passei a coordenar o Docomomo Núcleo Paraná, uma ONG destinada à conservação e documentação da arquitetura do Movimento Moderno.
Em 2013, junto com Ruth Verde Zein, organizei na PUCPR o X Seminário DOCOMOMO Brasil: Arquitetura Moderna e Internacional – conexões brutalistas, que contou com a participação de mais de cem trabalhos científicos, além da presença de palestrantes internacionais, incluindo Barry Bergdoll, curador de arquitetura do Museu de Arte de Nova Iorque – MOMA.
O Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCPR, o segundo instalado no Paraná, formou uma nova geração de arquitetos em Curitiba, como o escritório Baggio Schiavon, autores de dezenas de edifícios na cidade, e Marcos Bertoldi, responsável por casas modernistas com ampla divulgação internacional.
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO
AM: Se tivesse de recomendar o tombamento de patrimônio arquitetônico do Paraná, quais citaria?
R) Recentemente o IPHAN reconheceu como patrimônio nacional a antiga Rodoviária de Londrina de autoria de João Batista Vilanova Artigas, curitibano de nascimento e principal mentor da Escola Paulista. A Catedral de Maringá poderia passar por um processo de tombamento pelo Patrimônio Estadual.
Poderiam também estar preservados em Curitiba o Instituto de Previdência do Estado – IPE, o edifício da Telepar, a sede da Acarpa/Emater e a Capela da PUCPR. Em função das premissas do Plano de Curitiba, estão sendo bem preservados inúmeros exemplares de sua ocupação histórica e, principalmente, da arquitetura eclética, predominante na paisagem urbana até a década de 1930. Precisamos incluir na lista de Unidades de Interesse de Preservação – UIP mais alguns exemplares de casas modernistas.
GRANDES DO BRASIL
AM: Enumere os grandes arquitetos e urbanistas brasileiros da atualidade.
R) Com poucos dias de diferença, o Brasil perdeu dois arquitetos expoentes internacionais: Paulo Mendes da Rocha e Jaime Lerner. Contudo, novas gerações despontam no cenário nacional, como Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni e Marcelo Ferraz, continuadores da Escola Paulista; Marcio Kogan e Isay Weinfeld em São Paulo; o escritório Bernardes no Rio de Janeiro; Gustavo Penna em Minas Gerais e o Estúdio Studio 41, em Curitiba, dando continuidade na tradição de premiação em concursos nacionais de arquitetura.
AM: Como como definiria sua contribuição à arquitetura do Paraná?
R) A partir de minha dissertação de mestrado Introdução do Ideário Modernista na Arquitetura de Curitiba, apresentada em 1997, iniciou-se um estudo sistematizado de nossa arquitetura produzida a partir de processos mais industrializados, abrindo caminho para inúmeros trabalhos acadêmicos. O contato com os centros de pesquisas avançados em São Paulo e Porto Alegre teve fundamental importância como suporte intelectual para estas pesquisas.
Este trabalho teve como objetivo não apenas valorizar a produção local, mas também difundi-la nacionalmente. Assim, ganharam importância as obras de Kirchgässner, Rubens Meister, Elgson Ribeiro Gomes e os arquitetos que fazem parte do “Grupo do Paraná”, estudado exaustivamente por Paulo Pacheco, sem esquecer que a obra de Vilanova Artigas no Paraná, desenvolvido por Giceli Portela.
A atuação no Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, no Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU, mais tarde na Associação Comercial do Paraná – ACP e atualmente no Movimento Pró-Paraná – MPP sempre teve como objetivo a participação política em entidades representativas da sociedade civil, a valorização da profissão do arquiteto e a difusão de nossa cultura.
SALVADOR GNOATO Nascimento: 25 de fevereiro de 1953 em Curitiba, PR.
Filiação: João Batista Alberto Gnoato e Maria do Rosário Petrucci Gnoato.
Casado com Jane Maria Fayad com quem tem dois filhos.
Formado em Arquitetura e Urbanismo pela UFPR (1977).
Mestre e Doutor pela FAU-USP (1997/2002).
Fundador do DOCOMOMO Núcleo Paraná ong. de Conservação e Documentação da arquitetura do Movimento Moderno (2005).
Livros: Rubens Meister, vida e obra (2006) e Arquitetura do Movimento Moderno em Curitiba (2009).
Artigos no Jornal Gazeta do Povo e no site www.vitruvius.com.br.
Palestras na Universidade de Ferrara, na Itália (2014/2017).
Curador das exposições: Rubens Meister na VII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (2007) e Kirchgässner, um modernista solitário no Museu Oscar Niemeyer MON (2017) Professor Titular da disciplina Pensamento Crítico da Arquitetura na PUCPR desde 1986.Sócio fundador da empresa SOBE Arquitetura.
Principais projetos: Casa Fausto de Melo Correa (1978); Casa Ivo Zagonel Jr. (1982); Sede Administrativa Sanepar (1982); Anexo Sede Celepar (2004); Fórum da Comarca de Guarapuava (2011); Restauro e Retrofit do Palácio da Justiça do Paraná (2017).