Por Raul Urban* – Curitiba tem, oficialmente, 75 bairros, e boa parte deles já foram aqui apresentados com suas respectivas histórias, suas tradições e suas características. A História mostra que, apesar de existir uma denominação oficial determinada por lei municipal, boa parte da população, muitas vezes, continua chamando a região por um nome genérico, popular, seguindo tradições herdadas das gerações anteriores que, em boa parte imigrantes no passado, ali se estabeleceram, fincando raízes. Em outros momentos, nomes de bairros conhecidos eram então precedidos pela palavra “vila” – Vila Hauer, por exemplo -, o que mais recentemente caiu em desuso.
Um dos exemplos em que o predomínio da denominação popular, portanto, não oficial, persiste, é no caso do nome Schaffer, que, nos compêndios da História local é citado como Jardim Schaffer, uma região residencial de Curitiba, localizada no bairro do Bom Retiro, conhecida por ser charmosa e pela proximidade com serviços e lazer, como o Bosque Alemão.
A denominação nos remete ao início do século 20, quando o nome homenageou um pioneiro agricultor na região, Francisco Schaffer, que, em sua chácara, já dispunha de sofisticados métodos de produção leiteira, resultado da criação e reprodução de um grande plantel de gado holandês. Em 1925, a propósito, a região já dispunha de uma escola municipal com 33 alunos matriculados. De região agrícola, a área, no correr das décadas, ganhou infraestrutura e se tornou endereço de famílias que ali construíram imóveis de luxo.
Santo Ignácio
O bairro, oficialmente criado em 1975, na verdade surgiu a partir de 1876 com o nome de Colônia Santo Ignacio – uma homenagem a Ignacio de Antióquia, que na Antiguidade foi bispo na Síria, discípulo do apóstolo João, e o primeiro a escrever a expressão Igreja Católica, em uso até a atualidade. Graças à administração de Adolpho Lamenha Lins, então presidente provincial do Paraná, ali desembarcaram os primeiros poloneses dedicados à agricultura. Como Distrito de Nova Polônia, como então era chamada a região, passou por várias divisões administrativas, até o reconhecimento como bairro oficial que conserva as raízes agrícolas.
Santa Felicidade
Os primeiros habitantes a extensa região que hoje abrange os bairros de Santa Felicidade, Cascatinha, Butiatuvinha, São João e Lamenha Pequena ali chegaram no século 18, quando encontraram florestas de Araucária que cobriam a área. Já em 1782, ainda sem a presença dos imigrantes italianos, os camaristas (vereadores) determinaram a construção de uma ponte sobre o rio Barahy (atualmente, Barigui), para passagem dos viajantes, em especial tropeiros.

Foi D. Pedro II quem estimulou a política de imigração, e em dezembro de 1877 partia de Gênova um navio com destino ao Brasil trazendo os italianos pioneiros armados de coragem e esperança. Em 2 de janeiro de 1878, a embarcação chegou ao Rio de Janeiro; três dias depois, a Paranaguá. Não adaptados às terras litorâneas, por intermédio dos tropeiros conheceram a Vila de Curitiba, no alto da Serra do Mar, onde adquiriram terras a cerca de oito quilômetros do centro.
O bairro cresceu e se tornou modelo para as demais colônias italianas no Paraná, já no século 20. Em 1904, fruto da religiosidade comunitária, inaugurava-se a primeira igreja. Durante as duas guerras mundiais, italianos e descendentes passaram a ser vítimas do preconceito, perseguidos pela política nacionalista, juntamente com alemães e japoneses que, de 1939 a 1945, formavam o chamado Eixo.
Túlio, Toaldo, Boscardin e Zonato, entre outros, são sobrenomes históricos no bairro que há bom tempo é um obrigatório endereço da gastronomia com raízes italianas em Curitiba. Vem do fim da década de 1940 a instalação dos restaurantes servindo comida italiana, às margens da então empoeirada Avenida Manoel Ribas que levava ao festivo bairro celebrante da Festa da Uva e escolha da Rainha da Uva.
Vai longe em que os carroções tracionados por parelhas de cavalos traziam os colonos de Santa Felicidade ao centro da cidade para a venda de hortifrutigranjeiros junto ao bebedouro até hoje instalado no Setor Histórico. Em 1995, quando modernidade e tecnologia trocaram as carroças por veículos, o bairro perdeu dona Ermínia Perucci, aos 80 anos, a última a resistir ao progresso e, diariamente, trazer os hortifrutis em sua carroça ao centro. Morreu quando um ônibus atingiu a carroça, deixando órfãs gerações que testemunharam a criação em dezembro de 1988, da Bocca Maledetta, versão no bairro da histórica Boca Maldita, criada em 1957 no centro curitibano.
*Raul Urban é jornalista, escritor, memorialista, pesquisador da memória histórica e ligado à área do transporte multimodal integrado e colaborador do Mural do Paraná.