Marcus Gomes – Reportagem sobre o déficit de moradias na Suécia, publicada na Folha de S. Paulo, deve ter espantado muita gente. Que um país conhecido como modelo de sociedade ideal sofra com esse tipo de dificuldade causa alguma surpresa. A constituição sueca garante o direito à moradia a todo cidadão, seja ele rico ou pobre. Toda as constituições democráticas devem prever o mesmo. Mas promessa não é dívida – vide o Brasil que assegura à população o ‘mínimo existencial’. O inusitado na reportagem é que ela fala de condomínio sem dizer o nome.
Há mesmo peculiaridades na lei de moradia do país nórdico, mas ela não no fato de que aquele que compra um apartamento não é o dono do imóvel, mas o coproprietário (em latim, condominium significa domínio comum). O complexo residencial pertence à associação de moradores, o que dá no mesmo se falarmos de um imóvel dividido em frações ideais com áreas privadas e áreas comuns
A legislação sueca, no entanto, torna tudo complicado. Por exemplo: a locação do apartamento depende de autorização da associação e se dá por tempo curto. Quem quiser alugar livremente um apartamento, sem se preocupar com a burocracia, vai precisar ser o “dono do prédio”. Não há qualquer sentido nisso.
Daí a explicação, óbvia, para a crise de moradia na Suécia. Desde 2006, o país sofre com baixas taxas de construção, altos preços e, por consequência, um exército de consumidores endividados. É mesmo difícil crer que o governo não tenha adotado modelos de outros países. O mercado de imóveis brasileiro poderia ensiná-los.
Sem rumo, encontrou-se uma solução pouco usual. É a indústria – caso da gigante de eletrodomésticos Electrolux (muito conhecida dos paranaenses) – quem está assumindo a construção de edifícios residenciais, mesmo sem ser expertise no ramo.
A experiência não é tão animadora quanto parece. Um apartamento entre 28 e 65 metros quadrados não sai por menos de US$ 300 mil – cerca de R$1,6 milhão. Considerando-se que não há um sistema de crédito especial nem incentivo governamental à construção de moradias, entende-se, às claras, porque há um número crescente de devedores.
Por fim, ficamos sabendo que a reportagem da Folha viajou à Suécia a convite da Electrolux para “conhecer” o complexo. A palavra condomínio é surrupiada do texto. E para quê? A fim de conhecer um condomínio para o qual temos 500 mil modelos no Brasil mais modernos e eficientes. Salvo algum programa de incentivo ao turismo, a viagem ficou devendo uma explicação.
Link da reportagem aqui (para assinantes da Folha)
Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito e assuntos do dia a dia.