Em uma série de crônicas em que perfilou seus amigos – sob o título Retrato 3×4 de Um Amigo 6×9 – Millôr Fernandes disse sobre Jaguar: “Às sextas-feiras, às vezes entrando pelo sábado – é apocalíptico. Em dias de alegria fica triste, mas esconde isso sob tal tumulto que sempre recebe o troféu Alegria da Festa. Da ponta do pé ao topo da cabeça vai toda a sua altura, mas nem isso o diminui. É casado, mas não acredita no inferno. Pratica-se diariamente, por isso é que é tanto. Agora, quanto ao câncer, é a favor. Costumo lhe dizer: “Com teu talento, Jaguar, eu não estaria aqui. Estaria em cana, nos Estados Unidos.”
São recortes do texto, mas já dizem a que vem. A Wikipedia assinala que Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe (Rio de Janeiro, 29 de fevereiro de 1932 / Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2025), que subscrevia Jaguar desde 1952, ficou famoso pela criação do personagem Sig. E Gastão, o Vomitador? E Bóris, o homem-tronco?
Em 1970, um ano depois da fundação de O Pasquim, que depois virou só Pasquim, foi preso pelo regime militar por ter brincado com o quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, com a legenda “Eu quero mocotó!” – uma gíria para pernas femininas.
Na era do puritanismo e do moralismo hipócrita em que vivemos, ele seria cancelado por satirizar Tarzan, tal como na charge abaixo e provavelmente seria queimado em praça pública por tratar de temas como adultério, homossexualismo, prostituição e dos atributos da mulher com um viés machista (céus).
Alguém pode dizer que Jaguar era um homem do seu tempo como se o humor fosse algo dos cafundós do passado. Hoje só vale piada política. E a favor. Não sei se Ziraldo está revirando no caixão a essa altura. Millôr Fernande, contra por excelência, certamente está.
Ruy Castro – que eu chamo de Ryu Castro porque monotemático – conta em sua coluna, na Folha, que Jaguar teve seus desenhos recusados por Hélio Fernandes, irmão de Millôr e diretor de jornal, que os considerou “a pior coisa que já vira”. Sorte que o irmão, mais autorizado, proclamou sem demora a genialidade de Jaguar no desenho de humor. As charges estão aí para provar, mas precisam ser caçadas nos arquivos. Jaguar desenhava em guardanapos de bar ou em qualquer papel à mão e não guardava nada. Foram-se 30 mil cartuns assim.
No parágrafo que me resta, lembro que Jaguar ganhou a direção do semanário “Pasquim” em uma aposta com Ziraldo. Nas eleições de 1982, eler cravou na vitória de Leonel Brizola para o governo do Rio. Ziraldo foi de Miro Teixeira, do PMDB. Anos depois, no comando da editora Desiderata, Jaguar produziu três antologias do melhor do Pasquim e também o livro “Confesso Que Bebi”, um roteiro pessoal pelos melhores bares do Rio. Deixou a editora de lado quando faturou R$ 1 milhão do governo, a título de indenização, por ser um perseguido político do regime militar. Há controvérsias sobre isso, mas nada que respingue em sua reputação. No mais, ele nunca teve um nome a zelar.
Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito, condomínios e assuntos do dia a dia.