Há seis mil anos antes da era comum, quando o princípio era o nada, uma empreiteira de renome resolveu erguer um condomínio que acabasse de vez com a falta de moradias na baixa Mesopotâmia. O empreendimento, batizado de Torre de Babel, seria alto o suficiente para abrigar todos os habitantes da região em imóveis vendidos a preços populares.
Os anciões, entre eles Matusalém que tinha 450 anos, mas aparentava um século a menos, fez circular predições negativas da obra, salientando que aquilo era um sacrilégio. O que os especuladores queriam com aquela edificação monstruosa, dizia ele, era subir aos céus para desafiar Jeová.
As intrigas vicejaram entre os fiéis, mas naquela época os incrédulos eram maioria e venciam em qualquer pesquisa de intenção de voto. O prédio foi crescendo a cada dia, atingindo um número incontável de andares até ultrapassar as nuvens cumulus nimbus.
Foi então que um matemático de barbas longas e brancas, que também vendia mirra, incenso e óleo bronzeador na calçada, calculou quanto tempo um homem levaria para chegar ao andar 527 se subisse as escadas. Noves fora, o resultado foi 150 anos. E não era só isso. Ainda que os milagres estivessem em moda e alguns pudessem chegar ao firmamento sustentados por anjos, estes achavam o trabalho de ascensorista degradante e rezavam com fervor para que alguém inventasse o elevador, o que só ocorreria em 1853.
Logo ficou claro que apesar do edifício ultrapassar 700 andares e seguir crescendo rumo a um ponto que, enfim, seria a cobertura com vista privilegiada para o éden, a ausência de tecnologia tornava a Torre de Babel inviável. O fracasso da empreitada foi seguido de protestos. Os fariseus pintaram faixas rogando pragas a Jeová. Os panteístas partiram para a luta armada. Os judeus erigiram um bezerro de ouro e o chamaram de Valdemar.
Não é preciso dizer que a cólera de Jeová e o castigo que se seguiu teve proporções bíblicas. O profeta Luiz Fernando Veríssimo, autor da versão original dessa história, infelizmente escrita em búlgaro (ver “Lançamento do Torre de Babel”), conta em detalhes picantes a maneira como Jeová, indignado, fez com que construtores, moradores e até mesmo inquilinos não falassem mais uma única língua, mas várias, o que explica a confusão que reina até hoje nas assembleias condominiais. Conta Veríssimo que a partir daquele momento:
“Os homens prostraram-se ao chão diante da ira de Jeová e um deles sussurrou ao vizinho:
– Mais, ça c’est ridicule!
E o outro, intrigado, respondeu:
– What?
E perto dali alguém tossiu e inventou o alemão”.
Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito, condomínios e assuntos do dia a dia.