Em 1940, quando o edifício Santa Rosa, de oito andares foi inaugurado em Curitiba, o jornal da época grafou: “Arranha-céo, inimigo da economia popular. A construção de altos edifícios somente beneficiam os capitalistas” [sic].
Era um contrassenso. Desde o início do século XX, a capital paranaense buscava a renovação construtiva e a verticalização, principalmente no quadrilátero central de Curitiba, delimitado pela Rua XV de Novembro, com suas paralelas e transversais, e as praças Osório, Zacarias, Carlos Gomes, Santos Andrade, Rui Barbosa e Tiradentes, onde foi erguido o Santa Rosa.
Na escassa literatura arquitetônica das capitais brasileiras, a prioridade nesse quadro urbano era levada a rigor pela prefeitura municipal porque ele seria o ponto zero da modernização e da expansão da cidade. Era a região que merecia atenção especial e mais melhoria e mais embelezamento. Por isso não faltavam investimentos no sistema hidrossanitário, na energia elétrica, no asfaltamento das ruas, na coleta regular do lixo e na presença do telefone – a coqueluche tecnológica da época. Pasme, bastava alguém dizer ‘alô’ no aparelho para que outra pessoa, do outro lado da linha e a quilômetros de distância, respondesse: ‘alô’.
(*Quando o escocês Alexander Graham Bell patenteou o telefone, em 1876, a fala sugerida ao atender o telefone era ‘ahoy’, uma saudação náutica. Então o inventor Thomas Edison veio com a ideia de ‘hello’, que foi traduzido diretamente para o português do Brasil como ‘alô’. Em Portugal, avesso a estrangeirismos, se diz ‘Estou’ ou ‘Está lá’).
Atacava-se os supostos capitalistas porque os edifícios construídos na primeira metade do século eram erguidos a partir de investimentos individuais ou familiares. Não havia financiamento bancário para a construção de prédios nem tampouco para a aquisição de apartamentos. O negócio lucrativo que atraía os endinheirados “capitalistas” se constituía em edificar prédios para depois mantê-los como renda, alugando unidades residenciais ou salas comerciais. Era assim em Curitiba, era assim no Brasil, era assim em Zurique, a cidade mais populosa da Suíça, onde Mileva Maric, a primeira mulher do físico Albert Einstein, continuou a viver com os três filhos após a separação do casal, em 1919.
Espere o Nobel
Antes de seguir para os Estados Unidos, onde realizaria inúmeras conferências, Einstein prometeu a Mileva que, tão logo ganhasse o Nobel, entregaria o dinheiro do prêmio para garantir o bem estar dela e dos filhos. Não parecia lá uma nota promissória, mas Mileva concordou. Einstein já havia sido preterido pela Academia Real de Ciências da Suécia em oito ocasiões, mas em 1921 recebeu o Nobel de Física por suas contribuições na descoberta da lei do efeito fotoelétrico, fundamental no estabelecimento da teoria quântica. Quanto à teoria da relatividade, a academia não entendeu bulhufas. E não entende até hoje.
Conforme havia prometido dois anos antes, Einstein enviou o valor do prêmio à família que deixara para trás. Mileva investiu boa parte do dinheiro na compra de dois prédios e passou a viver da renda proveniente do aluguel dos apartamentos. Ela, certamente, não era uma capitalista.
Chamar o Santa Rosa, um prédio de oito pavimentos, de arranha-céu parece risível nos dias de hoje, quando testemunhamos a construção, já no início do século XXI, de edifícios mega altos, com mais de uma centena de andares. Até parece que o homem desistiu da dura empreitada de alcançar a lua com o lançamento de foguetes e resolveu pavimentar o caminho com pedras, aço e cimento. Sempre para cima, em alturas vertiginosas.
Um certo professor Von Peter Birkenholz ganhou manchetes, na década de 1920, ao apresentar um projeto que resolveria de uma vez por todas o problema do espaço na construção das habitações. Em Curitiba foi o que se fez. “Numa nesga de terra foi construído um prédio ‘typo caixa de phosphoros’ (na grafia da época), com sacadas para o meio da rua”.
Prédios que se beijam
Era o futuro, mas não era o suficiente. Um jornalista, particularmente inspirado, descreveria outros avanços que estavam por vir. “[Em breve] as ruas tomarão um aspecto belíssimo, com prédios de fachadas salientes [na verdade, semelhantes a um balão] que quase se beijam. Então, as ‘barrigas’ dos edifícios enfileirados e abobadados, uma vez erguidos, serão suficientes para cobrir a sombra do passeio, dispensando o uso de para-sóis e a construção de abrigos envidraçados”
Quanto aos guarda-chuvas é certo que desaparecerão, decretava o jornalista. “Uma vez que todos os proprietários construam casas futuristas” e barrigudas, temos a certeza de que as ruas se tornarão “mais interessantes que a passagem do ‘Quartier Arabe’, em Constantinopla” – hoje Istambul. Era uma referência aos toldos e edificações salientes nas ruas estreitas e movimentadas do comércio na povoada capital da Turquia que, por causa desse arranjo construtivo, produziam sombra e protegiam da chuva.
No livro “Morar nas Alturas”, as professoras da UFPR Zulmara Clara Sauner Posse e Elizabeth Amorim de Castro, reproduzem a página do jornal onde destacam-se três ilustrações de uma cidade futurista e desesperadamente brega confrontadas com foto de um prédio de três pavimentos típico da época. Lojas comerciais no térreo e quartos de alugar nos andares superiores. Ao menos nessas últimas, as paredes eram retas e não abobadadas e barrigudas. Um alívio.
Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito e assuntos do dia a dia.