quarta-feira, 9 julho, 2025
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Marcus Gomes: Coliseu de Roma é um condomínio que nunca foi

Algumas linhas digitadas em um chat robô de inteligência artificial e é possível fabricar imagens delirantes como a do Empire State projetando-se no deserto do Saara ou a do McDonald’s fincado na costa leste da gelada Groenlândia, onde vivem os esquimós. Daí para um condomínio no Coliseu de Roma são apenas duas ou três palavras.

E por que não? Obra impressionante da engenharia romana, o Coliseu foi inaugurado em 81 d.C., oito anos depois do início das obras. Tem 48,5 metros de altura, o equivalente a um prédio de 16 andares e forma elíptica. Visto do alto, ele se assemelha em muito a um moderno estádio de futebol e poderia ser, uma vez que a edificação, em seu esplendor arquitetônico, comportava 60 mil pessoas somando-se a base do Coliseu e os seus dois pisos sobrepostos. Supostamente um terceiro pavimento teria sido finalizado antes da derrocada, mas para que se tome isso como verdade é preciso levar a sério os relatos de Suetônio, um tremendo bajulador de césares.

Imaginar que o Anfiteatro Flaviano, nome oficial do Coliseu, poderia ter vidros espelhados e varais de roupas que debochariam de sua grandiosidade, não é tarefa difícil. Por um período muito curto no século XIII, já em sua decadência sem elegância, o prédio foi ocupado pelos Frangipani, uma família que não deixou marcas na história, exceto aquelas de praxe ou de odor esquisito.

O plano era construir uma fortaleza, mas havia buracos demais nas estruturas. Alguns, inclusive, possibilitavam que tropas de até 100 homens avançassem para o seu interior e aparecessem para jantar sem avisar. Evidentemente havia guardas em postos de vigilância, mas eles dormiam a sono solto tal como zeladores noturnos.

IA imagina como seria um condomínio no Coliseu

Quando ficou evidente que do Coliseu não sairia nenhum condomínio de luxo, os Frangipani o abandonaram sem arcar com os prejuízos das louças quebradas. O que restou foi uma “ruína em construção”.

Fosse em tempos modernos e o local poderia ter se transformado em um estacionamento ou em um templo pentecostal. As autoridades italianas, no entanto, fizeram dele o principal ponto turístico de Roma. Anualmente, milhões de pessoas, de todos os lugares do mundo, visitam o local sem deixar marcas expressivas de sua passagem, exceto aquelas de praxe ou de odor esquisito.

No guide tour há o relato, condizente com as especulações, de que o prédio deixou de ser um local de entretenimento na era medieval para ganhar outras utilidades. Oficina, sede de uma ordem religiosa, fortaleza, como as do Frangipani, pedreira, santuário cristão e habitação coletiva. A última nos mesmos moldes das ínsulas. A modo de piada, uma editora sugere que os conflitos em um condomínio instalado no Coliseu poderiam ser resolvidos em uma luta sangrenta na arena. No caso de um morador que se mostrasse antissocial, bastaria ao síndico jogá-lo aos leões. Sim, é cruel. Mas também divertido. Ou por que um milhão de romanos estariam errados?

Mantido intacto, o Coliseu poderia mesmo ter se transformado em um condomínio com espaço em seu interior suficiente para 100 apartamentos de 240 m² ou 200 de 120 m² ou, ainda, 400 de 30 m². Em sua menor dimensão, as unidades exclusivas teriam três vezes o tamanho de um microapartamento com loft – um pequeno piso suspenso ao qual se tem acesso por uma escada. Na maior, ombreariam com as domus.

História do Coliseu: Quem o construiu e por que ele é importante

A aparência do Coliseu, hoje, é tão mais exasperadora porque o mármore que um dia cobriu as colunas, paredes e até mesmo os assentos das arquibancadas foi saqueado para ornamentar monumentos e igrejas católicas. A Basílica de São Pedro, no Vaticano, empregou mármore do Coliseu em sua construção. Em seus vários estilos, a pedra é obrigatória em condomínios, do mais simples ao mais luxuoso, mesmo que, no primeiro caso, se limite apenas ao balcão do porteiro.

Se havia uma área privativa em um suposto condomínio que a certa altura, degradado, foi definido como uma “ruína em construção”, também existia uma área comum. Do que se sabe, a arena, onde eram realizados os shows de morte do Coliseu, seguiu sendo utilizada ou subutilizada mesmo depois da decadência sem elegância do anfiteatro romano. Os primeiros combates disputados para comemorar a conclusão da obra monumental duraram cerca de 100 dias. A entrada era gratuita, ou seja, não havia cambistas, a capacidade do Coliseu era de 50 mil pessoas, e o público acomodava-se nas arquibancadas de acordo com sua classe social. No interior da arena, entretanto, obedecia-se à cadeia alimentar ou à sequência de seres vivos em que um serve de alimento para o outro. Gladiadores, lanceiros, feras e cristãos. Em estrita obediência culinária.

(Retomo o tema na semana que vem).

Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito e assuntos do dia a dia.

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