Tenho tendência ao ócio. Deito no sofá e espero que os deuses sussurrem dois versos em meus ouvidos ou ao menos gritem: Gooooool! O sociólogo Domenico de Masi diz que ficar de papo para o ar, em contemplação, não é ociosidade, mas um estado mental que integra trabalho, estudo e lazer. Ele chama isso de processo de criação. Eu chamo de vagabundagem.
Quando me atrevo a um passeio no centro de Curitiba, onde moro, sou como Abracurcix, o líder dos gauleses irredutíveis que resistem ao domínio romano: tenho medo que o céu caia sobre minha cabeça. Ou ao menos um pedaço dele. Não faz muito, um pintor de paredes deixou escorregar uma lata de tinta e quase me acertou. Depois disso, comecei a prestar atenção ao apocalipse à minha volta.
O pintor de paredes deveria se chamar Sísifo, o rei da mitologia grega que foi condenado a empurrar uma pedra até o topo da montanha para depois vê-la rolar para baixo continuamente. Um comerciante o contratou para cobrir a pichação nos muros da loja e ele faz isso a cada dez ou quinze dias. Em vão.
Pichar já foi símbolo de transgressão e de protesto político. Hoje é só sujeira. O que significam aquelas garatujas? Para os não iniciados, absolutamente nada. Pietro Maria Bardi, que foi diretor do Masp, o Museu de Arte de São Paulo, ficou enfurecido com as pichações em monumentos públicos e saiu escrevendo sobre elas a palavra “M…”. Não foi uma boa ideia. Melhor teria feito se jogasse “M…” nos vândalos, como fazem os macacos no zoológico.
Foi em Paris, em maio de 1968, que os grafites ganharam status de arte política. Os slogans eram mesmo geniais: “É proibido proibir”, “A imaginação no poder”, “Sejam realistas, peçam o impossível”, “Não tome o elevador, tome o poder”. Não é surpreendente que nós, brasileiros, não tenhamos chegado nem perto disso no período light da ditadura, antes da decretação do AI-5 em dezembro daquele ano.
Ficamos no “Abaixo a ditadura” e no “Povo unido jamais será vencido”. Nada mais chinfrim. Em compensação, nos demos muito bem no terreno dos grafites apolíticos. De memória, lembro de dois: “Ulisses, ainda te espero. Assinado: Penélope” e “Marcinha, se nosso amor virou cinzas foi porque eu mandei brasa”. Este um símbolo de nossa avacalhação sexual. Diogo Mainardi diz que é a nossa contribuição para a história da humanidade. Aceito. Qualquer coisa que não seja o picho indecifrável das gangues de bairro. Para estas, eu jogo “M…”. Como faz o macaco do zoológico.
Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito, condomínios e assuntos do dia a dia.