domingo, 6 julho, 2025
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Marcus Gomes: A tragédia do padre voador

Por Marcus Gomes* – O padre Adelir de Carli levantou voo de Paranaguá sustentado por um precário conjunto de mil balões de festa cheio de gás hélio. Foi em 2008. À época, o vice-presidente da Confederação Brasileira de Balonismo, Leonel Brittes, afirmou que Carli deveria ter sido impedido pela Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac. A agência é responsável pela autorização de sobrevoos caso seja solicitada uma reserva de espaço aéreo. Como o padre não fez a solicitação, a Anac deu de ombros.

Ora, a cidade inteira de Paranaguá, no litoral do Paraná, tinha conhecimento do voo do padre da paróquia. A façanha foi divulgada exaustivamente na imprensa e esta não era sua primeira aventura em balões. Em janeiro daquele mesmo ano, Carli havia viajado de Costa Oeste do Paraná à Argentina em um trajeto com duração de quatro horas. A Anac sabia.

Instrutor de voo livre em Curitiba, Márcio André Lichtnow contou na ocasião que o padre participara de seu curso em 2005, três anos antes, mas foi desligado depois que se mostrou “um perigo para si mesmo”.

“Eu o aconselhei a procurar outro esporte, porque o de ação não perdoa irresponsabilidade e exibicionismo”, afirmou.

Lichtnow disse ainda que o padre o havia procurado, após o primeiro voo, para pedir a ele que baixasse informações para o seu GPS – um modelo, segundo o instrutor, mais indicado para caminhadas.

Foi então que Carli revelou a Lichtnow que planejava decolar de Paranaguá com destino a Cascavel. “Minha pergunta foi: você pretende pousar na África do Sul? Porque os ventos Oeste predominam em altitudes acima de 2 mil metros no litoral e você vai parar no meio do oceano”. O padre teria retrucado: “Eu já calculei tudo e sei o que faço”. Mas não sabia. O instrutor o aconselhou a desistir da viagem. Disse a ele que as condições do tempo eram ruins, que enfrentaria uma viagem a 6 mil metros de altura, acima das nuvens, com temperatura de 21 graus negativos. Carli não quis escutar.

As câmeras de televisão registraram o momento em que o padre, vestindo um agasalho de plástico prata, que mal cobria seu corpo, decolou de Paranaguá para nunca mais ser encontrado. Ele usava um estilete para estourar os balões e controlar a altitude. Chovia e ventava forte. Mesmo assim, nenhum de seus auxiliares tentou demovê-lo da aventura suicida.

Adelir de Carli voou em um domingo. Na terça-feira, passadas 48 horas, ele ainda não havia sido localizado. Pessoas que tomavam banho em uma das praias do Rio de Janeiro disseram ter encontrado balões estourados trazidos pela maré. Há informações de que Carli levara consigo um celular por satélite e tentara se comunicar ao perceber que estava rumando para alto mar. Meses depois, seu corpo foi encontrado boiando na costa. Carli tinha 41 anos.

Para não invejar a grama do vizinho

Carlos Moreno
O urbanista Carlos Moreno

Leio em ‘Veja’ de semana atrás – eu vou assim mesmo, atrasado – entrevista com Carlos Moreno, urbanista franco-colombiano, que está lançando o livro A cidade de 15 minutos (BEI Editora). Até aí tudo bem. O problema é que, a certa altura, somos informados de que Moreno é o criador do conceito. Pois não é.

A ideia de aproximar o trabalho de casa e a casa do trabalho (do lazer, etc.) está longe de ser um conceito inovador, tampouco recente. Jaime Lerner, e outros urbanistas antes dele, já defendiam essa solução. Por que abandonar os centros urbanos aos zumbis de The Walking Dead, se é possível, e muito mais barato, revitalizar as áreas edificadas e devolver a elas o morador – este ilustre desconhecido?

O problema é que a urbanização seguiu caminho contrário. O centro da cidade, com moradias, comércio e lazer deveria ter sido replicado em “ilhas autossuficientes”, formando um arquipélago. Em vez disso, partimos para a periferia, obrigando quem quer que fosse a passar um tempo enorme pendurado no transporte público ou a bordo de um carro possante em velocidade zero.

Os ambientes, sempre eles, espalharam a notícia de que morar em áreas verdejantes era sinônimo de saúde, qualidade de vida e cuidado com a natureza. Para quem, cara pálida? O rico foi atrás dessa ideia. O pobre também, em projetos do tipo minha casa, meu fim de mundo.

Pois ambos erraram feio. Em “Triumph of the City” (à venda na Amazon, sem tradução para o português), o economista Edward Glaeser, mostra que a cidade não é apenas a maior invenção da humanidade, como é também o lugar mais saudável, mais verde e mais rico (tanto em termos culturais quanto econômicos) para se viver. E prova, por A mais B, que aqueles que moram em mansões encravadas em áreas florestais – gente como os bilionários do Vale do Silício ou os magnatas da Faria Lima – são, na verdade, usurpadores ecológicos. A conferir.

*Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito e assuntos do dia a dia.

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