Se você quer garantir alguma sanidade em meio a um turbilhão irracional de desaforos e vitupérios políticos, evite fazer comentários nas redes sociais. Há uma tropa de cá e de lá disposta a cravar a estaca e, no extremo, enviar ameaças de morte a quem quer que não compactue de suas ideias.
Isso não significa que você não possa publicar, em seu perfil ou em sua página, suas próprias opiniões ou ainda compartilhar notícias de imprensa. Mas prepare-se para o bombardeio. A imprensa costuma comparar a disputa política ora em curso no país como um FlaxFlu. Besteira.
A política deveria se prender aos fatos. Do mensalão ao 8 de janeiro. Do impeachment de Dilma à Lava Jato. Mas é esperar demais.
É inegável, por exemplo, que a Petrobras foi sangrada em bilhões de reais. Ponto. É incontestável que Dilma e, depois, Lula, foram omissos diante do escândalo. Quando Dilma foi impichada o que se viu foram bombeiros apagando o fogo. A presidente havia desrespeitado a Constituição, mas o ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) julgou que era uma falta leve ou praticada por todos os outros. De Bolsonaro, nem se fale. Só quem foi mesmerizado pode justificar a sua eleição e depois o seu não impedimento, mesmo com a gripezinha anunciada à revelia das mortes provocadas pela covid-19
Fatos, no entanto, são os últimos a serem levados em conta em uma polarização estimulada por governantes ao longo dos anos e agora levada a extremos – o famigerado “Nós” contra “Eles”.
A minoria ruidosa e ensaiada vem pregando a “luta armada” e a “resistência ao golpe” – qualquer “golpe” desde que seja praticado pelos de lá contra os de cá. Nada a declarar. Do outro lado, os que pregam o golpe militar constitucional, uma excrescência da direita enquartelada ou não, fazem rir. Você não vai querer polemizar com essa gente, né não? Mas tem gente que se dá ao trabalho.
Esperava-se que diante das reações turbulentas e do “imbecilismo” em voga, as universidades fossem o local ideal para o debate democrático e imparcial. Que nada.
Professores têm se mostrado carbonários na questão, recusando-se a aceitar qualquer argumento que não seja aquele que vislumbra um “golpe” em curso – qualquer golpe desde que seja dos de lá contra os de cá.
Vá lá, professores concursados estão garantidos pela estabilidade e pelas regalias estendidas ao funcionário público – no mais um cidadão de primeira categoria numa sociedade de segunda em que a grande maioria vive ameaçada pela sombra da falência e do desemprego.
Mas, afinal, por que então acadêmicos sem estabilidade, comissionados, substitutos e professores da rede particular se prestam à vassalagem?
Será que esperam ser recompensados? Será que esperam a garantia do emprego? Será que anseiam que o ProUni, o programa do governo que garante bolsas a estudantes, também seja extensivo a eles? É bom lembrar: o ProUni foi criado para auxiliar universidades em decrepitude, o que é também um descalabro. Os mestres do sim senhor, no entanto, julgam que o que vêm do governo é bom. Desde que seja o governo que lhes convém. Perdoai-os, eles sabem o que fazem.
Quando o piso é o teto

Eis aqui um exercício de memória. Há 15 anos (pouco mais, pouco menos), os presidentes da Câmara e Senado, Aldo Rebelo e Renan Calheiros, respectivamente, se reuniram com lideranças das duas Casas e bateram o martelo: o salário dos legisladores seria reajustado em 91% – de R$ 12,8 mil para R$ 24,5 mil.
O reajuste equipararia os vencimentos dos parlamentares aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo, a pressão da opinião pública e da imprensa, à época, fez com que a decisão tomada a portas fechadas acabasse sendo devidamente arquivada.
De lá para cá, o que se viu foi a derrama. Todas as legendas partidárias, risonhas e sacudidas, fizeram aprovar, sob as barbas de quem quer que fosse, salários que atingiram o topo do previsto ao funcionalismo público. A isonomia tornou-se rápida, rasteira e compulsória. Em pouco tempo, governadores, deputados estaduais (de maneira proporcional, conforme disposição constitucional), juízes, procuradores e promotores estavam gozando do mesmo salário-teto. Sem que isso, espantosamente, provocasse reação da imprensa ou, de forma indireta, da população.
Hoje o salário de um ministro do STF é de R$ 46.366,19. Pasmem, os agentes públicos com mandato e os membros de alto escalão do Judiciário federal, estadual e do Ministério Público recebem o mesmo soldo substancial.
Eis aqui outro exercício de memória. Em 2005, escrevi artigo em jornal falecido denunciando uma lista de procuradores da Assembleia Legislativa do Paraná que recebiam salário nababo – algo em torno de R$ 19 mil à época. Entre os listados estava o então diretor-geral da Assembleia, Abib Miguel, vulgo Bibinho. Havia uma denúncia em curso no Ministério Público que o inabilitava para a função de procurador uma vez que não se comprovava o exercício em banca de Direito em Curitiba e sequer a comprovação de um diploma do curso – o caso foi parar até no MEC.
Chamei os procuradores de marajás, o que era um termo em uso (antes e depois de Collor) e, em pouco tempo, fui processado por Abib Miguel. Ele me levara às barras da lei não porque era um funcionário de luxo, com diploma suspeito, e exercício do Direito não comprovado – o que é exigido para que assuma o caso de procurador da Assembleia. Ele me processava porque eu o denominara “marajá”. O caso não foi adiante porque Bibinho não compareceu nas audiências marcadas. Uma pena. Eu levara três dicionários e estava pronto para demonstrar, ipsis litteris, o significado da palavra e como os verbetes coincidiam quase letra por letra em seu significado.
Tempos depois, Bibinho foi denunciado na operação Diários Secretos e encobriu-se ou anuviou-se a acusação ou acusações anteriores. Um fato incontestável e indelével permaneceu: os ‘marajás’ seguem ocupando postos nos três poderes, em prejuízo dos cofres públicos, sem que se dê um basta a isso. E aqui não se falou das demais benesses garantidas. Eis aqui outro exercício de memória.
Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito e assuntos do dia a dia.