segunda-feira, 9 junho, 2025
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LIVRO DA BIBLIOTECA PÚBLICA CONTA QUASE TUDO

Luiz Gonzaga Paul; Lamartine Correa de Oliveira Lira; Luiz Fernando Coelho; Mário Rubinski.
Luiz Gonzaga Paul; Lamartine Correa de Oliveira Lira; Luiz Fernando Coelho; Mário Rubinski.

Foi de fôlego a pesquisa que o jornalista Nilson Monteiro desenvolveu para escrever “Livro aberto – uma história da Biblioteca Pública do Paraná”. Soube captar bem a história oficial da BPP, em suas diversas casas, marcando o longo processo até estabelecer-se em 1951 no atual endereço.

É EXPERIENTE

Jornalista experiente, o autor captou momentos importantes da BPP no século 20, ouvindo sobretudo ex-dirigentes da casa. Ressalto dois deles: Luiz Gonzaga Paul e Nancy Westphalen Correa, oitentões, saudáveis guardadores de momentos únicos da BPP.

O QUE ESQUECEU

O olhar de Nilson deixou, no entanto, de captar fatos memoráveis da instituição, segundo minha visão de testemunha de 1962 a 1965, como assessor de imprensa da Biblioteca. É o caso de histórias de bastidores dos personagens que faziam do espaço o mais importante palco de vida cultural da cidade. Por exemplo, o professor Luiz Fernando Coelho, um dos notáveis mestres do Direito da UFPR, poderia muito bem ter falado do Centro Liberal de Cultura, local de debates de uma juventude secundarista e universitária que se reunia aos sábados na BPP; era um grupo de moços inquietos, que discutiam desde Thomas De Aquino à Relatividade de Einstein.

Depois, a Academia de Letras José de Alencar seria fundada e funcionaria na Biblioteca.96-Livro aberto e

JUVENTUDE INQUIETA

Além de Coelho, o grupo abrigava outros rapazes que depois teriam papel importante na vida cultural do Paraná, como Emir Sfair, Nelson Faria de Barros (jornalista), Regines Prochmann e Marcos Kleiner (médicos e professores), Samir Heikel, o pianista Marco Aurélio Feijó, Eugênio Szezech (autor de O Homem perante o Universo, livro)…

GERMANA MOREIRA

Senti falta de uma abordagem ampla em torno de Germana Moreira. Ela foi a verdadeira “mãe” da Secção Infanto-Juvenil da BPP, área capital (isso ficou claro no livro de Nilson) para a formação de novas gerações de leitores.

Germana Moreira marcou a todos os que estiveram sob a docência magistral que ela exerceu. Era uma inovadora, inquieta na sua placidez e capacidade de dialogar com os mais jovens, mostrava-lhes caminhos e sugeria-lhes realizações “ousadas” para aqueles dias.

O JORNALZINHO

Uma das propostas de Germana Moreira foi o jornalzinho, que durou todo o ano de 1954, de que fui diretor de redação, denominado de “Voz da Biblioteca”. O depois médico Marcos Kleiner era o secretário de redação.

Feito com a melhor tecnologia da época para projetos modestos, em mimeógrafo, o “Voz da Biblioteca” preencheu sonhos e revelou talentos.

É IMPORTANTE

À parte essas observações, tenho de saudar o trabalho de Nilson Monteiro: ele vale não só por ter cumprido um papel necessário, o de levantar a História da BPP; sugere também que o próprio autor vá mais adiante. Afinal, naquele conjunto arquitetônico moderno, uma joia rara, ainda os velhos frequentadores da Biblioteca sabem (e alguns até dizem enxergar) misteriosas figuras que de alguma forma preencheram aquelas paragens.

São “visagens”, como as Hugo Montanari Filho, artista plástico que acompanhou, como assessor da Direção, grandes momentos da casa. Era um refinado cavalheiro que por anos esteve ao lado de Lamartine Correa de Oliveira, Castilho, Nancy Westphalen e Paul.

Montanari “conhecia todas as dobraduras da BPP”, admite um ex-diretor.

“FANTASMAS”

Outros “fantasmas” que percorrem as salas de enormes pés direito são os de Guido Viaro, com sua escolinha de arte; os fotógrafos, como Sergius Matulevicius ,que lá mantinham o Cine Foto Clube do Paraná; a doce Eneida Mello, companheira inseparável da também bibliotecária Marcelina Dantas; a mesma Eneida que foi responsável pelo riso dos que viram uma auxiliar de biblioteca encaminhar um leitor à sala daquela bibliotecária, porque, afinal procurava por “Eneida”. A de Virgílio.

PAUL GARFUNKEL

Eu, nas raras vezes que tenho ido à BPP, vejo-me “ao lado” de Paul Garfunkel, o genial aquarelista, um romântico enamorado por todas as mulheres do mundo, fazendo galanteios a uma bibliotecária egípcia de nascimento, Sabine Samut; numa das salas chamadas de Referência, meses atrás, tive impressão de rever um dos mais assíduos perquiridores daquele espaço, o escritor Milton Carneiro, o da ‘Procissão de Eus’. E também o gentleman Newton Carneiro, irmão de David Carneiro, homem de enorme dimensão cultural.

MÁRIO RUINSKI

Mas de quem mais senti falta mesmo foi de Rubisnki, um dos melhores pintores paranaenses do século 20. Claro que não esperava vê-lo por lá como fantasma, já que – graças – ainda vive. Com ele, na Seção de Belas Artes fui de uma geração que se embebedou de história da arte em lições contínuas e com extrema boa vontade que ele passava aos mais moços – gente como Juarez Machado, João Osório Brzezinski, Jamaia…

 

ÂNGELO DALLEGRAVE

O fantasma mais curioso, para os padrões de hoje, habitante daquelas amplas salas, é mesmo Ângelo Dallegrave, o homem que se encarregava de colocar numa sala-cemitério obras que considerava ofensivas à sua fé católica tridentina. Materializava, à sua maneira possível, um tipo de censura “Índex Librorum Prohibitorum”.

Dallegrave está bem registrado nessa obra de qualidade, preciosa para a chamada estante paranaense, de autoria de Nilson.

Em adendo de última hora: em minhas quase anônimas visitas à BPP, semanas atrás, tive a impressão de reconhecer numa das bibliotecárias a “encarnação” da bibliotecária Maria de Lourdes Barbosa, que ficou conhecida por representar o pensamento cultural repressivo de pós 1964.

Ela “vigiava” a classificação dos livros.

Juro que a vi ao lado de Maria do Carmo Fortes o Peter Potocky; foram dois pintores ingênuos cujas presenças e exposições confirmavam apenas o que todos sabíamos nos anos 1950/60: a Biblioteca Pública do Paraná era um centro cultural sem par.

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