
Muitos poucos homens sabem ainda recitar as respostas da missa em que os católicos do mundo inteiro foram criados. Eram as da chamada Missa Tridentina, ou Missa de Pio V, como queiram.
Ela começava com salmo anunciado pelo padre, que estava entrando “no altar de Deus” (“Introibo ad altare Dei”).
E o sacristão (ou coroinha) respondia, com presteza:
– Ad Deum qui laetificat juventutem mea… (“do Deus que alegra a minha juventude”).
Aos 93 anos, quase 70 anos de padre, monsenhor Luiz Gonzaga Gonçalves sabia na ponta da língua todas as peculiaridades da antiga liturgia romana modificada a partir do Concilio Vaticano II no final dos 1960. A maior mudança, no caso da missa, foi a introdução da língua vernácula no rito, substituindo o latim.
UM RESISTENTE
Monsenhor “resistiu” até o fim, na celebração daquela preciosidade que o Ocidente católico, infelizmente só mantém viva apenas em certas regiões; e sob certas determinações canônicas.
A Igreja, é verdade, tem instituições próprias, reconhecidas pelo papa, que celebram na antiga liturgia que, a bem da verdade, antes do Concílio, já sofrera algumas modificações, especialmente nas celebrações da Semana Santa, sob a égide de Pio XII.
HOMEM DO INTERIOR
Luiz Gonzaga Gonçalves era um típico homem do interior paulista, com o persistente sotaque caipira que nem as muitas convivências mundo a fora retiraram dele.
Era basicamente um conservador, em costumes, em liturgia, em posições políticas. Mas sem agressões, não entrava em confronto com ninguém.
Acolhia os que o procuravam, com simplicidade, com a voz pausada e a pedagogia que não deixavam dúvidas de estarmos diante de um pacificador.
Nunca transigia no essencial, isso sim.
Ele veio de Jaboticabal, SP, anos 1970, para Curitiba e aqui foi aceito, tornando-se padre da Arquidiocese da Capital. Teve um irmão bispo, dom José Gonçalves, que atuou no Norte do Paraná.
PONTUAL, ORGANIZADO
Tive a grata oportunidade de trabalhar com ele, um homem humilde, simples, pontual a toda prova, que aceitava missões mesmo novas para ele. Foi assim como quando acompanhei o trabalho dele de promoção e campanhas de assinaturas do jornal Voz do Paraná, que eu dirigia com Roaldo Koehler, o presidente do semanário.
O tempo nos distanciou, não nos separou. Nos poucos encontros tidos daí em diante, era aquela festa, um homem recatadamente expansivo saudando alguém pelo qual ele manifestava amizade.
PESO DOS ANOS
Um dia fui à missa Tridentina, anos 1990, que ele estava celebrando na Igreja da Ordem. Percebi que os movimentos não mais eram do forte monsenhor que conhecei nos 1970. Mas subia os degraus do altar, e fazia algumas manobras corporais para retirar do sacrário o pão consagrado que deveria expor à adoração e distribuir à comunhão. No mais, sua voz era clara, e claramente ele registrava apego a um rito que, por bom tempo, na Igreja Católica, os apressadinhos de plantão quiseram anatematizar, como se fosse coisa ultramontana, de contestação ao Concílio.
Monsenhor Luiz Gonzaga Gonçalves sabia explicar, tintim por tintim, aquela sucessão de movimentos que a “teatralidade” litúrgica de Pio V queria expressar.
Simples, persistente, homem de fé e de metas certas, monsenhor Luiz Gonzaga viveu vida longa, tempo para ver aberta a todos os católicos do mundo, o direito de cultivarem sua fé debaixo da chamada Tradição. Tal como ele fazia na Igreja da Ordem, em Curitiba, e como a Confraria São Pedro e São Paulo, o Instituto Bom Pastor e a Administração Apostólica São José Maria Vianey fazem mundo afora. Sob as bênçãos da Santa Madre mundo afora.
DADOS BIOGRÁFICOS
Ordenado padre em 6 de novembro de 1949. Era padre e jornalista, com registro no Ministério do Trabalho.
Em 93 anos de vida, monsenhor Luiz foi testemunha da história recente da Igreja Católica. Quando foi ordenado, em 1949, na cidade paulista de Jaboticabal, reinava em Roma o Papa Pio XII. Depois viriam João XXIII, Paulo VI, os dois Joões Paulos, Bento XVI e o atual papa Francisco.
Por exatamente 20 anos, monsenhor Luiz rezou apenas a missa codificada por São Pio V no século 16.