Assessoria – A realidade que até pouco tempo parecia restrita aos filmes de ficção científica começa a se concretizar. Em 2024, a empresa norte-americana Paradromics realizou com sucesso o primeiro implante humano de seu chip cerebral Connexus Direct Data Interface, um avanço que inaugura uma nova fase no campo das interfaces cérebro-máquina (BCI – Brain-Computer Interface).
Para o neurocirurgião Dr. Denildo Veríssimo, especialista em tumores do sistema nervoso e técnicas minimamente invasivas, o feito representa um divisor de águas na neurotecnologia. “Estamos diante de uma interface com alta resolução de dados, funcionando em um ser humano fora do ambiente de pesquisa, com potencial para restaurar comunicação, controle motor e até mesmo devolver voz a pacientes que perderam a capacidade de falar ou se mover”, comenta o especialista.
Segundo Dr. Veríssimo, os primeiros resultados indicam aplicações concretas para pacientes com paralisias graves, como ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), e abrem caminho para avanços ainda mais amplos no tratamento de doenças neurológicas. O neurocirurgião também destaca os desafios éticos e técnicos que acompanham esse tipo de inovação e defende um debate equilibrado, baseado em ciência, segurança e inclusão.
Na prática, eletrodos são implantados em áreas específicas do cérebro, como o córtex motor e o pré-motor, responsáveis pela execução de movimentos. Os sinais neurais captados são decodificados por algoritmos de inteligência artificial e traduzidos em comandos digitais — como mover um cursor ou controlar uma cadeira de rodas. “É como dar voz e movimento a pessoas que haviam perdido essa conexão com o corpo”, resume Dr. Denildo.
Reabilitação, autonomia e inteligência artificial
Casos reais já demonstram o impacto prático desses implantes: pacientes que conseguem escrever textos, operar computadores ou se comunicar apenas com o pensamento. A curto prazo, o maior benefício é a recuperação da comunicação. A médio e longo prazo, espera-se a integração com próteses robóticas, sistemas de IA e ferramentas que permitam maior autonomia em ambientes digitais, incluindo estudo e trabalho.
A tecnologia também traz à tona debates éticos profundos: como garantir a privacidade neural? O que acontece quando a mente pode ser lida ou decodificada em tempo real? “Precisamos garantir que esses dados não sejam manipulados, vendidos ou hackeados. A ideia de privacidade mental ganha uma nova dimensão”, alerta o neurocirurgião.
Além da segurança, há outro desafio: o acesso equitativo. “É fundamental que essas soluções não fiquem restritas a quem pode pagar. Ciência e justiça social precisam caminhar juntas.”
Riscos, limites e o papel do Brasil
Como toda tecnologia invasiva, os implantes cerebrais não são isentos de riscos. Dr. Denildo cita complicações como infecção, resposta inflamatória, formação de tecido cicatricial e queda de performance do dispositivo ao longo do tempo. “Mas os protocolos estão cada vez mais refinados, e os materiais, mais biocompatíveis.”
Sobre o cenário nacional, o doutor reconhece que o Brasil ainda caminha em ritmo lento. Centros como a USP, a UFMG e o Instituto Santos Dumont (RN) desenvolvem pesquisas importantes, mas a participação brasileira no ecossistema global de neurotecnologia ainda é tímida. “Temos cérebros brilhantes, mas falta incentivo, estrutura e maior colaboração internacional. Neuroengenharia e neuroética precisam entrar de vez na pauta científica e governamental.”
Realidade ou ficção? Com a Neuralink de Elon Musk também em testes avançados, o debate sobre chips cerebrais ganha cada vez mais atenção. Para Dr. Denildo Veríssimo, não se trata mais de um sonho distante. “Já não estamos mais no campo da ficção científica. Os resultados clínicos existem, são documentados e robustos. Não vamos colonizar Marte tão cedo, mas conectar cérebro e máquina, sim.”
Cautela com entusiasmo
Pacientes com doenças neurológicas graves já podem enxergar na neurotecnologia uma esperança real. Ensaios clínicos internacionais mostram avanços significativos. O estudo mais duradouro do consórcio BrainGate, conduzido entre 2004 e 2021, demonstrou que sensores implantados em pacientes quadriparéticos mantiveram desempenho estável e segurança clínica por anos, com resultados comparáveis a outros dispositivos neurológicos crônicos. Na UC Davis Health, um paciente com ELA voltou a se comunicar com até 97% de precisão por meio de uma interface que traduz sinais neurais em fala digitalizada. Além disso, a GAO (Government Accountability Office) dos Estados Unidos reconheceu oficialmente que diversas interfaces cérebro-máquina já permitem comunicação funcional e controle de próteses, ainda que não estejam amplamente disponíveis. “Esses dados nos mostram que a esperança não é mais teórica, ela está se materializando em resultados clínicos reais, com impacto direto na qualidade de vida dos pacientes”, explica Veríssimo.
Embora ainda embarcados em fases iniciais, os implantes cerebrais já encontram precedentes sólidos na medicina brasileira, especialmente em programas do SUS. Por mais de quatro décadas, o país utiliza a estimulação cerebral profunda (DBS) para o tratamento de Parkinson e epilepsia. Além disso, a lei brasileira (Lei nº 14.874/2024) e regulamentações da ANPD garantem o uso controlado de dados neurais em estudos clínicos, priorizando a segurança, o consentimento informado e a proteção de informações sensíveis. Esses marcos regulatórios e terapêuticos estabelecem um ambiente propício e responsável à evolução das BCIs no país.
Nesse contexto, tecnologias como o chip Connexus e os ensaios clínicos internacionais reforçam a mensagem de que a esperança para pacientes com doenças neurológicas não é apenas real: já está respaldada por avanços científicos, reconhecimento legal e exemplos práticos de aplicação em larga escala. “Devemos nos entusiasmar, mas com responsabilidade”, diz o médico. A medicina, segundo ele, tem um papel crucial: validar, proteger e garantir que a tecnologia sirva ao ser humano e não o contrário. “O futuro da neurotecnologia é promissor. Mas seu sucesso depende da forma como conduzimos o presente: com ciência, ética e humanidade”.