Por Diego Antonelli (texto publicado originalmente no livro Voz do Paraná: Uma História de Resistência. Editora Esplendor, 2019)
O pequeno semanário Voz do Paraná foi o único jornal do Paraná a registrar com detalhes a queda do governador Haroldo Leon Peres no ano de 1971.
Quando assumiu o governo do estado do Paraná, em março de 1971 indicado pela Ditadura Militar, Peres adotou para a sua gestão o slogan “A revolução que chega ao Paraná”. Em seu discurso de posse “prometeu bater com mão de ferro nos dois principais adversários da ‘revolução’: a subversão e a corrupção”. Sete meses depois, acabaria forçado pelo próprio regime militar a renunciar por suspeita de corrupção.
Na época, a grande imprensa de todo o Brasil era tomada pela censura, autocensura e repressão aos veículos de comunicação. Mas a Voz do Paraná subverteu a ordem. Talvez “esquecida” pelos censores da época por ser um jornal “pequeno”, exerceu papel fundamental para as denúncias que levaram à queda de Leon Peres.
O então governador era acusado de haver exigido de Cecílio Rego de Almeida, um dos mais poderosos empreiteiros do Paraná, um depósito de um milhão de dólares no exterior para liberar o pagamento de 60 milhões de cruzeiros devidos pelo estado pela construção da Estrada de Ferro Central do Paraná. Era acusado ainda de haver recebido de outros empresários do estado a quantia de 170 mil cruzeiros destinados à reforma de sua casa, além de haver sido beneficiado na compra de glebas de terras a baixo custo no município de Matelândia, que fica a 70 quilômetros de Foz do Iguaçu.
Leon Peres tentou negar as acusações e negociar sua permanência no governo, mas não a conseguiu, pois contra ele existiam provas concretas de envolvimento em corrupção. Sua conversa com Cecílio Rego de Almeida na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para tratar do negócio, fora toda gravada e filmada por agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI).
Todo esse mar de lama em que o governador do Paraná estava envolvido foi parar nas páginas da revista Veja. Contudo, a censura retirou todos os exemplares de circulação. Ou melhor, quase todos. Dentre os poucos que se salvaram, alguns foram parar na redação de Voz do Paraná. A matéria foi reaproveitada pelo doutor Roaldo e por Aroldo Murá. Com o texto redigido e publicado, o assunto ganhou a visibilidade merecida perante a sociedade.
Leon Peres tinha perdido qualquer ponta de credibilidade. Celso Nascimento, que nessa época atuou como colaborador voluntário de Voz do Paraná – já que ainda não tinha sido contratado –, também fez um copidesque sobre as denúncias que pairavam sobre Leon Peres de uma reportagem que seria publicada no Correio da Manhã, mas que não foi aceita pelo jornal.

As publicações contribuíram decisivamente para que o então governador se comprometesse a renunciar até o dia 22 de novembro daquele ano. Ele ainda tentou recuar na última hora, sendo advertido pelo deputado federal Ari Alcântara, enviado pelo presidente Médici a Curitiba, de que se não renunciasse imediatamente a notícia da suspensão de seus direitos políticos seria anunciada pelo rádio em cadeia nacional no programa Voz do Brasil.
Finalmente, no dia 23 de novembro, renunciou ao governo do Paraná, transmitindo o cargo ao vice-governador Pedro Viriato Parigot de Sousa. Ao longo daquele ano diversas publicações da Voz do Paraná tiveram como personagem central o governador Haroldo Leon Peres. No começo, quando as denúncias ainda não existiam, o jornal mostrava os desafios que o novo mandatário do estado do Paraná enfrentaria, como pode ser observado na matéria “Novo governo começa amanhã”, da edição semanal de 11 a 17 de março de 1971 e que abordou a posse Leon Peres, e na “Haroldo mostra o déficit que seu governo recebe: CR$ 300 milhões”, da edição semanal de 4 a 10 de abril.
Com o passar do tempo, começaram a surgir impasses e polêmicas em torno do nome do governador recém-empossado. A edição de seis a 12 de junho trazia uma matéria que colocava em discussão se havia um racha na Arena no estado, partido de apoio ao Regime Militar. Havia rumores de que Paulo Pimentel e Leon Peres, ambos dois nomes importantes na sigla partidária haviam rompido. A matéria “Uma demissão reacende crise imprensa x Haroldo” retomou o assunto a partir da demissão de Antonio Pietrobelli da estatal Fundepar. Pietrobelli era secretário de redação da Tribuna do Paraná e era redator há três anos da Fundação Educacional do Paraná, sendo um dos homens de confiança do ex-governador Pimentel. Na época, Pietrobelli alegou que se tratou de “vingança política”.
Na semana entre 27 de junho e três de julho, a Voz do Paraná publicou matéria “O Paraná, segundo Haroldo” que proporcionava novamente o debate sobre uma eventual queda de apoio político do governo de Leon Peres. O governador queria provar que não tinha perdido a base política. “Sem falsa modéstia, possuo o comando político do meu estado e em bases tão amplas que reduzem qualquer especulação de crise na Arena local”, afirmava na publicação.
A mesma edição trouxe um texto de página inteira com o título “Paraná, aqui se briga”. A reportagem publicou os impasses e as disputas políticas envolvendo o governo de Leon Peres como se fosse um roteiro de uma novela. Dividida em 12 capítulos, cada fato narrado correspondia a um ‘capítulo’. A matéria mostrava a “sensacional novela de caráter político narrando os lances mais sérios pela liderança do estado. Patrocínio exclusivo da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Personagens principais: Haroldo Leon Peres e Paulo Pimentel”. ]

“Se a briga de Leon Peres com Paulo Pimentel foi um prato delicioso para muitos espectadores e acabará enriquecendo (ou empobrecendo) o folclore político paranaense, no fim das contas projetou no país uma imagem pouco edificante da habilidade de nossos políticos”, assinalava o jornal.
No mês seguinte, a publicação “Haroldo, um bom Ibope na TV”, veiculada entre os dias 18 e 24 de julho, trazia uma matéria sobre uma sabatina na qual Leon Peres participou no programa “Encontro Marcado” no então Canal 6, Televisão Paraná, emissora dos “Diários Associados”. Durante a entrevista, em tom defensivo, disse que ninguém poderia acusar o seu governo de ser corrupto – fato desmentindo meses depois. Ele afirmou, segundo a matéria, “que ninguém pode acusar seu governo que tem só 100 dias quanto à honestidade de propósitos e atos”.
Já próximo do desfecho que culminaria com o fim precipitado do mandato de Leon Peres, a Voz do Paraná, na edição de 24 a 30 de outubro contou com o texto opinativo “O poder da corrupção” que apontava graves irregularidades administrativas que estavam ocorrendo no Departamento de Trânsito do governo estadual. “A corrupção que imperava em certos setores da repartição assumiu proporções graves, com amplas ramificações”, dizia o texto.
Finalmente, a edição de 28 de novembro a quatro de dezembro estampou a renúncia forçada de Leon Peres no cargo de governador do Paraná. Segundo a publicação, em nota oficial o ex-mandatário do Poder Executivo estadual confessava a incapacidade de superar “as notórias divergências e dificuldades enfrentadas na direção do Estado”. “A par dos problemas de ordem política, sua administração vinha sendo acusada de ineficiente e o que era mais grave – da prática de irregularidades em vários setores”, apontava a chamada da capa daquela edição.

A matéria explicou que um dos motivos que levou à queda de Leon Peres foi um relatório encaminhado pelo serviço de inteligência do governo federal, o SNI, com denúncias contra ele. O então governador alegou que estava sendo alvo de manobras políticas dos opositores. Outros veículos também já tinham realizado denúncias contra Leon Peres, como aponta a mesma reportagem: “Um jornal paulista informou que as irregularidades no governo paranaense haviam sido apontadas, ‘principalmente’, pelo empreiteiro Cecílio Rêgo de Almeida”.
As provas eram evidentes, como alertou a publicação da Voz do Paraná: “Em um determinado momento, entretanto, Buzaid [então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid] ligou um gravador e reproduziu trechos de uma conversa que incriminava o governador. Depois de ouvir a gravação, Leon Peres, muito abatido, deixou o Ministério”.
Naquele momento, mesmo relutando, seus dias como governador do Paraná estavam contados. Em menos de uma semana deixou o cargo. Em seu lugar, entrou Pedro Viriato Parigot de Souza que teve como principal desafio pacificar a política paranaense.
O tema rendeu pauta até para o ano seguinte, como mostra a edição da semana de 11 a 17 de junho de 1972. A matéria “Leon Peres fez viagens fictícias, diz Tribunal” retomou o assunto sobre as investigações acerca do então governador e apontou que nem a assinatura do pedido de renúncia “significou, necessariamente, um sossego para o ex-governador Haroldo Leon Peres”.
*Diego Antonelli é jornalista e escritor, reconhecido por seu vasto trabalho no jornalismo histórico e etnográfico no Paraná. Formado pela UEPG com mestrado pela UFPR, Diego é especialista em contar a história do Paraná, suas culturas e povos imigrantes. Autor de 16 livros.