Retrato de uma madona atual – A propósito do Dia dos Pais
Eu havia trabalhado a manhã inteira em um seminário de empresários em um hotel de luxo. Como sempre, nestes ambientes, reina uma certa fartura. O coffee-brake fora abastado com pãezinhos especiais, doces, brioches e uma infinidade de sucos. No intervalo do almoço, sem fome, desci à rua e me dirigi a um shopping que ficava perto do hotel. Precisava comprar um presente para um amigo cuja festa de aniversário iria acontecer logo mais à noite.
Caminhava tranquilo, descuidado, quando fui surpreendido por uma cena forte, carregada de amargura e pungente tristeza. Mas, ao mesmo tempo que me chocava, mostrava um belíssimo momento de carinho entre um pai e o seu filho: quase na esquina, sentados na calçada, um homem e um rapaz. O homem se encostava ao muro e fazia dele o seu espaldar. Era um catador de papel, um senhor com barbas já meio grisalhas, rosto anguloso, magro, sulcado pelo sofrimento dos anos, estampando uma vida percorrida na carência. Mas, carregava em seus gestos suaves e carinhosos o comportamento sereno das pessoas que aprendem a sofrer resignadas.
Ele se sentara no chão forrado com folhas de jornais, fazendo destas uma espécie de toalha de mesa. E, espalhadas na sua frente, havia restos de comida, algumas soltas, outras em latas. Ao seu lado, rente ao seu esquálido corpo apoiava-se o rapaz, que deveria ter uns 15 anos e apresentava sérias deficiências mentais e motoras. O garoto esperava que o pai colocasse o alimento na sua boca. Com extrema paciência o velho enchia os dedos da mão com comida e levava-os até ele que se erguia com dificuldade, esticando a cabeça e o rosto para cima, com a boca aberta esperando a porção. Um desamparado filhote de pássaro esperando a alimentação que chegava.

Naquela hora o movimento de passantes era grande e os que percebiam o que ocorria entre os dois viravam os rostos envergonhados e constrangidos com a situação. A cena exerceu uma forte atração em mim. Parei e fingi estar falando ao celular para poder olhar melhor aquele instante de profundo e insólito carinho paterno. Um pedaço da crueldade da vida real, dolorido retrato do nosso descaso e da nossa incompetência secular em não saber administrar um país onde sobram recursos naturais e faltam recursos humanos de bom senso, boa vontade e honestidade de propósitos. Onde os programas sociais de governo e das empresas são meros programas de mídia e de show para eleitores.
A cena era como se fosse a famosa foto de Eugene Smith “A Madona de Minamata” – Japão, onde uma mãe banha o rapaz Tomoko, vítima de graves defeitos de nascença provocados pela poluição industrial. Mas a minha madona, naquele momento, era um quadro real composto por um pai carinhoso, um rústico catador de papel, trabalhador da nossa miséria, vindo sei lá de onde, que com paciência, atenção e carinho alimentava o seu filho com o pouco que conseguira, sobras de lixo ou oferecimento de alguém. Vi também, logo em seguida, na mesma rua, um pouco mais adiante, na fila de um restaurante da moda, famílias abastadas reclamando da fila que se formava.
*Eloi Zanetti é escritor, especialista em marketing e comunicação corporativa. Contato: eloizanetti@gmail.com