segunda-feira, 16 junho, 2025
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Eloi Zanetti: “A Lei de Vampeta”

“O Flamengo fingia que me pagava e eu fingia que jogava”. Jogador Vampeta

Entrevistado sobre seu relacionamento com o Flamengo, o jogador Vampeta saiu com a frase acima que, na sua simplicidade, retrata bem o atual comportamento do nosso povo: uma certa tolerância somada com uma boa dose de hipocrisia no trato dos nossos assuntos mais sérios. Estamos nos comportando como um país de fingidores, um lugar onde o cinismo, a dissimulação e o engano são aceitos como comportamentos normais e já incorporados, parece que de forma definitiva, como nossa maneira natural de ser e de agir.

A arte de enganar e de aceitar com facilidade ser enganado permeia todos os níveis da sociedade brasileira, do cidadão comum às autoridades mais destacadas. Das empresas ditas socialmente responsáveis e seus profissionais, aos campeões da arte de fingir, que são os nossos políticos e governantes. Você deve ter pensado em atores. Não, estes fingem no palco por amor à arte e à profissão.

Nunca a nossa sociedade se mostrou tão cínica quanto nos últimos tempos. Um professor universitário desabafou estes dias: – “as escolas fingem que ensinam, os alunos fingem que aprendem e as autoridades que se preocupam com o nosso maior problema, a educação”.

Outro educador, especialista nas relações, pais, filhos e escolas alerta em entrevista na TV: – “os jovens fingem que se preparam para estudos mais avançados, seus pais coniventes fingem que os observam estudar. O tempo passa e o futuro profissional fica só na promessa da realização”.

Um headhunter, indignado protesta: -“alunos de mestrado fingem que pesquisam a sério e seus orientadores fingem que aceitam bons trabalhos, os RHs dão ciência e arquivam os diplomas. O fingir ter o papel da diplomação é mais importante que o saber adquirido.”

É só observar e constatar; empregados fingem que trabalham, seus chefes fingem que chefiam e, todos aceitam como normal os trabalhos mal realizados. Com a mediocridade estabelecendo padrão de qualidade estamos nivelando pela média e, a nossa média sendo baixa, podemos nos considerar todos medíocres.

Jornalistas mais críticos observam as suas áreas e dizem: os esportistas fingem que se esforçam por resultados, os modelos se fingem de atores e os pretensos músicos e cantores fingem que sabem tudo sobre música. Salvo uma pequena parcela do nosso povo, a arte da embromação está sendo aceita e incorporada pela maioria na nossa risonha e franca terra da fantasia.

Observe a quantidade de prêmios em algumas áreas. Na das causas comunitárias é enorme o número de empresas fingindo lutar por boas causas e de entidades que fingem observar e analisar seus falsos procedimentos e a lhes conferir prêmios nem sempre merecidos. Hoje, o fingir ser politicamente correto é premiado e divulgado a exaustão, nomes e ações de causas fakes estão nas revistas e jornais, sem nenhum constrangimento.

Enquanto os políticos e promotores simulam a realização de investigações, boa parte da imprensa finge abordar o assunto com propriedade e imparcialidade. O que fazemos? – Olhamos para os lados e fingimos acreditar na boa intenção de todos. Podemos dizer também que o governo finge arrumar estradas, que cuida da saúde pública e que a polícia e a justiça se preocupam com a segurança. Mas como podemos explicar ao mundo o sofrer eterno do nosso povo que morre às pencas no meio desta incompetência consentida?

A sociedade brasileira paga um alto preço pela sua transigência nos assuntos dos bons costumes e da civilidade: aceitamos com naturalidade a presença da falsidade nas nossas relações interpessoais, partilhando e não questionando as regras deste perigoso jogo. E, com a falsa esperança de que num belo dia, por si só, “isto tudo vai mudar”, não tomamos ações corretivas para mudar este nefasto modo de viver.

Falta-nos coragem para abrir os olhos, encarar e enfrentar nossa realidade de frente. De reclamar, bater o pé e ir até as últimas conseqüências contra o engodo e o trabalho mal feito. Vivemos, coniventes, mergulhados num mundo de fingimento e, deve ser por isso, que a nossa maior manifestação coletiva seja o carnaval, onde o irreal e a fantasia fazem parte do evento. Quer melhor simbolismo para retratar o nosso povo?

Cínicos, estamos nos acostumando ao sarcasmo. E com pesar lembro que a palavra cínico quer dizer: “agir como um cão”. Que injustiça aos nossos melhores amigos. E como disse George Meredith em sua peça The Egoist (1879): “como os cínicos ficam felizes quando fazem para os outros um mundo tão árido quanto fizeram para si mesmos“.

*Eloi Zanetti é publicitário, referência em comunicação corporativa e empresarial, e colunista do Mural do Paraná. Contato: eloizanetti@gmail.com

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