Há um diálogo entre Elis Regina e Adoniran Barbosa no qual, em determinado momento, ela o questiona perguntando – “E agora, o que é que a gente faz?” – ele responde – “Naaada!”.
Outra situação – uma cena de um documentário sobre Dorival Caymmi mostrando-o sentado com um amigo – e um pergunta ao outro – “O que é que estamos fazendo? E os dois respondem em uníssono – “Naaada!”.
Não confundir não fazer nada com preguiça
O não fazer nada pode ser tratado como o tão badalado ócio criativo instituído pelo professor e filósofo italiano Domenico de Masi. Tema que agradou em cheio aos brasileiros, sempre adeptos ao “dolce far niente” – cultura que valoriza o prazer do descanso e da contemplação. De Masi enaltece o ócio como caminho para a criatividade – deixar a mente e o corpo livres para que as fadas possam se aproximar e nos sussurrar inspirações criativas.
Voltando ao baiano Dorival Caymmi, ele se dizia janeleiro, isto é, gostava de ver o mundo passar à sua frente só observando as coisas da janela da sua casa. Gostava também de flanar à toa de madrugada pelo Cais do Porto no Rio de Janeiro, comportamento que lhe deu a fama de preguiçoso. Indolente, mas produziu uma extensa obra musical de altíssima qualidade – talvez a maior representação da nossa brasilidade.
Ai! Que preguiça! Ai! Que preguiça
Paul Lafarge publicou em 1880 o livreto O Sagrado Direito à Preguiça onde questiona a imposição da ideologia ao trabalho gerado pelos novos tempos da Revolução Industrial. Foi quando nasceu a obrigação da produtividade que nos faz ficar tão absortos em trabalhar, ganhar dinheiro e estar sempre em atividade que sentimo-nos culpados quando temos a chance de não fazer nada.
É claro que nem todo mundo é assim. Stanislaw Ponte Preta, personagem do jornalista e cronista satírico Sérgio Pôrto cunhou a frase “Tem gente tão preguiçosa que acorda mais cedo para ter mais tempo de não fazer nada durante o dia”.
Macunaíma (1920) nosso anti-herói, contrapondo ao racionalismo frio e desumanizante das convenções, das regras fixas e dos horários rígidos trazidos pelos imigrantes que construíam a “São Paulo que não pode parar” vivia repetindo: “Ai! Que preguiça! Ai! Que preguiça!”.
Um dos sete pecados capitais

Religiosos antigos diziam que a contemplação pelo ócio abre as possibilidades do desenvolvimento espiritual. Muitos se isolavam em mosteiros e grutas para, livres do trabalho cotidiano, tivessem tempo na busca da santidade. Foram eles também que elegeram a preguiça como um dos sete pecados capitais dizendo ser ela “uma certa tristeza que deixa o homem vadio e tardo na ação”.
Certa vez eu estava com uma crise de tosse e fazia tratamento com uma naturopata – era época de fim de ano, logo viria o Natal e o Ano Novo – ela me perguntou – “O que você vai fazer no final do ano?” – eu disse “Vou para minha chácara trabalhar com marcenaria, cuidar do jardim… – ela replicou – “Você já experimentou não fazer nada? – Respondi – “Isto é impossível para um geminiano, estamos sempre fazendo alguma coisa.” – ela então me provocou – “Experimente, só experimente.” Bem, aqueles foram dias de puro não fazer nada, lembro-me do bem estar que senti, ficar sem compromisso, só zanzando de um lado para o outro em puro estado de contemplação.
Falando em criatividade, às vezes o mais criativo é não fazer nada.
*Eloi Zanetti é escritor, especialista em marketing e comunicação corporativa. Contato: eloizanetti@gmail.com