Por Zaga Mattos – Eleição era uma festa nas pequenas cidades do interior do Paraná em minha infância. Com meus oito anos, minha diversão era passar pelas salas do grupo escolar e recolher as cédulas que ficavam esparramadas pelo chão. Colocava todas numa caixa de sapato e, à noite, espalhava-as pelo meu quarto para fazer a apuração. Ia separando e fazendo os montinhos para a contagem final. Ficava horas entretido nessa brincadeira levada a sério. Cerca de duas décadas depois, ouvi histórias de quantos e quantos políticos que acabavam eleitos na hora da elaboração dos mapas de apuração. Certamente, por obra e graça de escrutinadores não tão diligentes como eu…
Lá pelos meus 11 anos, fui morar numa cidade com a sua política agitada. Dois candidatos e cada um com seu serviço de alto-falante no quintal. E dá-lhe maldades entre o Doutor Pitanga e o Ximbica, como eles se denominavam, para todo o lugarejo ouvir. O farmacêutico Ximbica venceu a batalha de cornetas travada contra o cartorário Pitanga e levou a prefeitura.
Com a transferência de meu pai para outra cidade, pude conhecer outras maneiras de fazer política. Até então, não havia ouvido falar dos currais eleitorais e tampouco imaginava quanto era graduado um cabo eleitoral. Ali, fiquei sabendo que eram ingredientes indispensáveis para saborear o bolo da vitória. Certamente, a cerca de arame farpado, delimitando a área, representava bem o que poderia ter sido a origem da expressão curral eleitoral.
A distância, via aquele povo descer das carrocerias dos caminhões, uma espécie de “pau de arara”, vindos dos sítios, da zona rural. As mulheres com seus vestidos floridos e a indispensável sombrinha para enfrentar o calor nas filas das seções eleitorais. Orientados pelos cabos eleitorais, entravam no “cercado” para pegar o vale-churrasco e o envelope com a cédula do candidato. O toma lá dá cá era com a apresentação do título de eleitor para anotação da seção em que o acabalado iria votar. Ai daquele que negasse fogo na hora de depositar a cédula na urna: nunca mais teria o caminhão para vir à cidade votar e muito menos receberia churrasco no espeto de vara, preferencialmente de loureiro, cochinilha ou pitangueira.
Já na adolescência, descobri que o período pré-eleitoral era também a festa para alguns amigos mais velhos. Já eleitores e com “carteira de motorista”, entravam nas campanhas. Vez ou outra, aparecia algum candidato, nas eleições para deputado estadual ou federal, com a guaiaca recheada e disposto a ceder um jeep, com pneu lameiro, naturalmente, para correr o município. Era um tal de levar a parteira da cidade para atendimento de emergência, buscar remédio para algum enfermo, levar “pintores” para pichar as pedras na beira das estradas e, à noite, giro pela zona das cidades vizinhas. Os mais “preparados” tinham até o apoio de um gaiteiro bom para animar a festa. Afinal, ninguém é de ferro e tem direito ao repouso do guerreiro.
Já universitário, participei de uma versão mais confortável daquela prática de transportar eleitores. Candidato rico pôs as mãos nos bolsos, fretou um ônibus (com toalete a bordo!) e levou estudantes para a “festa democrática” em sua cidade. Não votava lá, porém não recusei a carona. Nem sequer me pediram para apresentar o título de eleitor. Teria sido escorraçado no meio do caminho. Outros tempos…
Hoje, com as redes sociais e o acesso às tricas e futricas, há movimentos para dar transparência ao processo eleitoral, mas as esperanças são poucas. Infelizmente, quem cuida do galinheiro não é o galo. As raposas assumiram a função de ecônomos do pedaço. Alguns sabem que a passagem do céu para o inferno pode estar na simples mudança de uma letra: poderá perder o mandato ao receber um mandado!
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