
Às 10h30 min desta segunda-feira, 20, tentei ouvir a pessoa mais abalizada sobre o possível fim da edição impressa do jornal Gazeta do Povo, o mais importante e mais antigo diário em circulação no Estado (98 anos). Por isso, telefonei para Ana Amélia Cunha Pereira Felizola, diretora administrativa do jornal que, ao lado do irmão, Guilherme, vice-presidente da RPC e responsável pela Opinião da Gazeta, dirige a publicação que viveu seus anos áureos sob o comando do pai de ambos, Francisco da Cunha Pereira Filho.
Gentil, Elizete, a secretária de Ana Amélia, disse-me que a chefe estava “numa reunião”, anotou o número de meu telefone, perguntou-me o tempo que duraria a entrevista telefônica que pretendia fazer com a diretora da GP. Pediu-me, por fim, que aguardasse.
Como estava acostumado a gestos atenciosos a mim dirigidos por Ana Amélia, acreditei que me responderia e que a entrevista se consumaria.
SEM RESPOSTA
Como esperei horas pelo contato que não se consumou com Ana Amélia, fui obrigado a dar forma que segue, ao que sei sobre o possível destino do jornal que, afinal, é parte substantiva do patrimônio imaterial de Curitiba. A Gazeta é pedaço do espírito da cidade. Portanto, seu destino me atinge, de alguma forma.
E assim sendo, não tenho dúvidas que meu papel jornalístico é importante nesta hora: faço perguntas em lugar de boa parte dos leitores do jornal, de empresas, de autoridades.
O “PRÍNCIPE”

Eu mesmo sou de uma geração criada e alimentada pelas notícias e opinião do jornal tocado por dezenas de anos pelo “príncipe” Francisco da Cunha Pereira, alguém que conhecia a sociedade curitibana como ninguém. Ele estava colado à vida da cidade.
E a conhecia bem em todos os seus estratos sociais, sabia quem era quem no mundo decisório político, no empresarial, no mundo do trabalho, na intelectualidade, na vida esportiva. Com tal “background” Francisco acolhia cidadãos comuns com a mesma abertura e simpatia com que festejava os representantes do patriciado curitibano que desfilavam por sua sala. Com a mesma lhaneza acolhia notáveis que passavam por Curitiba.
‘SE A GAZETA DEU’
Um dia escrevi, dimensionando a importância da Gazeta do Povo para o Paraná e daquele que foi o maior astro que já teve sua redação, Dino Almeida: “As pessoas nascem, casam e morrem em Curitiba se tiverem esses feitos registrados pelo Dino Almeida, da Gazeta do Povo”.
Nenhum colunista jamais repetiu no Paraná o sucesso e a repercussão da do Dino.
Noutra ocasião, numa aula que ministrei na PUCPR, anos 1970, ousei mais, inspirado, é certo, num “slogan” publicitário: – “Se a Gazeta deu, aconteceu”.
Com a declaração não deixei margem para senões sobre ser o jornal parte da alma paranaense.
SALA DO TRONO
Francisco da Cunha Pereira Filho era um ícone de Curitiba e as ‘históricas’ fotos de visitantes na “sala do trono” – a sala dele -, seriam quase sempre registradas com texto-legenda na Gazeta. As línguas afiadas – e muitas vezes enciumadas – chamavam as visitas de “beijão mão”. Na verdade, era uma troca: a cidade ia àquele que a bem representava, levando seus pleitos, suas dores, seus projetos, seus agradecimentos. Era bem acolhida pelo “príncipe”, o fidalgo Francisco.
Meu raciocínio para agora trabalhar o assunto sustenta-se num fato: a cidade, por boa parte de sua intelligentsia que ainda lê a edição impressa, quer respostas. Acho também que a maior faixa de leitores da GP deve estar acima dos 45 anos, um público exigente, que simplesmente não aceita a ruptura de antigos vínculos sem as satisfações esperadas.
MUITAS PISTAS

São muitas as pistas dadas pela GP nos últimos dois anos sobre o possível fim da sua edição impressa.
Na primeira vez que abordei o assunto, semanas atrás, chamei esse quadro de “sintomas”.
Nunca afirmei, porque ninguém autorizado meu garantiu, que a edição impressa vai acabar. No entanto, não é difícil alinhar as pistas indicadoras de que isso pode acontecer mais cedo do que se espera.
Já abordei a questão, por exemplo, do Publicador, o “software” que gerencia a edição impressa e a eletrônica do jornal. O novo, recém comprado, não trabalhará com jornal impresso. Apenas com edições eletrônicas.
RACIOCINAR JUNTOS
Na verdade, as pistas são muitas e têm ficado claras ao longo dos dois últimos anos quando fui anotando:
a) GP começou estudos para sobre o tamanho “berliner” de jornal, formato depois adotado. É um pouco menor do que o tipo standard, comum na impressa do Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai;
b) o fim da edição dominical, ano passado, transformada em edição do final de semana, com circulação nos sábados;
c) um grande “mistério” é saber por que certas pessoas e empresas não estão conseguindo renovar assinaturas da GP, sendo insistentemente, em contrapartida, convidadas a fazer assinaturas do jornal eletrônico. Por quê?; E por que as campanhas de assinaturas só ficam centradas na edição eletrônica do jornal?
d) as demissões em massa de jornalistas promovida nos últimos 14 meses caíram como bomba no mercado jornalístico. Dos jornalistas muito qualificados, poucos foram poupados e nem ícone premiado internacionalmente – Mauri Konig – ficou fora da degola;
e) dias atrás as demissões foram reabertas. Desta vez – note-se – foram cortadas cabeças vitais no processo de feitura e manutenção do jornal: Dino, antigo diagramador, cerca de 30 anos de casa, foi dispensado, assim como ganhou bilhete azul Cláudia Corça, coordenadora de assinaturas, altamente conceituada na empresa, com pelo menos 12 anos de casa; Corça era igualmente responsável por uma das frentes mais cuidadosamente trabalhadas pela direção da Gazeta, o Clube dos Assinantes além de ter desenvolvido todas as grandes estratégias do jornal em busca de assinantes;
f) Se por um lado a direção da Gazeta aposta nas suas ações denominadas de “Verticais”, as revistas que encarta no jornal, fica no ar a pergunta: por que teria, então, demitido, na semana passada a jornalista Larissa Gedine, redatora responsável pela Haus? As revistas vão bem publicitariamente, especializadas em Saúde, Casa e decoração e Gourmet.
DÉFICIT MILIONÁRIO
O quadro hoje reinante no jornal pode ter sua origem mais identificada a partir do momento que os Lemanski, ano passado, liderados por Mariano Lemanski (a família é sócia dos Cunha Pereira no poderoso complexo de televisões espalhadas pelo Estado) deixou a sociedade da Gazeta do Povo.
E o motivo foi um só, segundo os que acompanham os rumos tomados pelo jornal a partir da morte de Francisco: os Lemanski não estavam dispostos a continuar arcando sua parte no enorme déficit anual registrado pela GP. Seriam cerca de R$ 30 milhões/ano.
MUDANÇA DE HÁBITO
Uma sábia professora de Sociologia, com estudos concentrados em Mídia Impressa, arriscou uma curta análise sobre a possível a queda da GP no gosto do Curitibano: “Não foi só jornal que falhou. A cidade mudou de hábitos, assumiu a temperatura de novos tempos, liberou-se do antigo hábito de correr às bancas em busca do jornal. O leitor trocou esse “ritual” por outras sintonias, como fazer jogging, fazer supermercado, exercitar-se nas academias, cozinhar em casa, gastar tempo no simples ‘footing’ e, muito especialmente, informando-se pela mídia digital. Isso sem contar que as chamadas redes sociais foram fatais para esse estado de ‘quase morte dos jornais”.
SEM PERDÃO
A professora não perdoa: “Claro que houve descuido com a qualidade, na mídia impressa da GP. Assim como em outras partes do país. O lamentável para a Gazeta é que o seu jornal eletrônico está tão esquálido de conteúdo quanto o impresso”.
Se a professora tem razão, como fazer, então, bom jornal eletrônico sem bons jornalistas?
NAVARRA
A entrada do espírito da Universidade de Navarra (do Opus Dei), via diretor Guilherme da Cunha Pereira, chegado na Gazeta ainda quando Francisco comandava o jornal, não pode ser classificada de “culpado” pela linha que foi sendo adotada.
Navarra pode ter influenciado na questão que passou a ser meta do jornal: concentrar suas energias para “exercer papel de formador da sociedade”.
Deixou de ser Informador, em primeiro lugar, para ser Formador (com ênfase em valores da ética e moral).
Antigos leitores, como eu, identificaram há anos o quanto a Gazeta foi perdendo como veículo de informação. E mais que isso: com a morte de Francisco afastou-se fortemente da cidade, sua gente, seus costumes, seus nomes e famílias e lugares icônicos, suas tradições. “A Gazeta, com os dois irmãos, foi-se descolando de Curitiba”, sentencia a veterana citada professora de Sociologia.
LINHA PREMIUM
Por mais que especialistas – ou supostos especialistas em mídia impressa – deambulem sobre o quadro hoje existente na Gazeta do Povo, ficam no ar algumas questões. Por exemplo: corre a boca pequena na redação do jornal que a GP poderia ser editada uma vez por semana, “com uma edição Premium, acompanhada das revistas que tanta aceitação têm”, registra um velho funcionário da casa.
Pode ser.
De qualquer forma, há que se indagar também sobre o futuro da Tribuna do Paraná, o jornal popular de esportes e polícia que o grupo ainda mantém.
De concreto, em termos de informações intramuros, sei que na semana passada o atual diretor de Redação, Leonardo Mendes Junior, reuniu-se com os jornalistas. Teria dito que está tudo bem, que o impresso vai continuar. Sem maiores detalhes.
NOBREZA OBRIGA
Eu, como parte daquele universo de cativados por Francisco da Cunha Pereira Filho, o notável fidalgo que comandou o jornal em tempos áureos, fico com meia informação. Pois não consegui falar com a Ana Amélia.
Nos tempos de Francisco, ninguém ficava sem respostas. Ele era dos que, no fundo, sabiam que, mesmo sendo chatas as perguntas, a “noblesse oblige” dar atenção a jornalistas. Até por isso, ele nunca perdeu a majestade.
