
*Por Eloi Zanetti, escritor, publicitário
Há poucos anos o Cicero abordou em seu blog a história do engenheiro inglês Thomas Bigg-Wither que percorreu o Paraná em 1871-1875 partindo de Antonina e chegando a Jataizinho. O objetivo era traçar planos de uma linha férrea que ligaria o nosso litoral a Cuiabá MT. Dessa viagem surgiu o livro Novo Caminho do Brasil Meridional – a Província do Paraná. Pois bem, Cicero disse que havia me emprestado esse livro há mais 40 anos e que eu não havia devolvido.
Estranhei, pois sempre devolvo o que empresto – e também cobro o que sai da minha biblioteca, mas mesmo assim procurei o livro em um sebo e, indo a Curitiba, liguei ao amigo e fui devolver o livro. Ele me atendeu sorrindo e disse que não havia a necessidade da devolução, pois estava brincado comigo.
Batemos um bom papo, rememoramos velhos trabalhos no Diário do Paraná e o livro voltou às suas mãos – um pouco mais velho, mas voltou. Uma invasão ao Bar Rei do Siri Havia na praça do Cemitério Municipal um barzinho especializado em caipirinhas e frutos do mar, especialmente casquinhas de siri.

A turma do Diário do Paraná começou a frequentá-lo e, de vez em quando, algum jornalista citava as delícias da sua cozinha. Estimulada pelas notícias, a burguesia curitibana começou a fazer ali o seu ponto de aperitivos – o lugar virou moda. Com a frequência dos novos e endinheirados clientes o dono do bar resolveu tratar com desprezo aqueles que promoveram o seu sucesso, nós do Diário do Paraná.
Certa noite saímos do jornal e fomos para lá e, de imediato, o Cicero sentiu certa animosidade por parte do proprietário, parecia que a nossa turma, sempre bagunceira e falando alto – não era mais bem vinda. Enquanto esperávamos por mesa o Cicero viu estacionados vários caminhões de lixo e seus profissionais conversando na calçada.
Não teve dúvida, chegou à turma e convidou-a: vocês querem comer casquinhas de siri por minha conta? – É claro! – Venham comigo! E entrou no bar acompanhado por uns 10 lixeiros, encostaram-se no balcão e ele fez o pedido.
Enquanto o proprietário fulminava com os olhos o nosso parceiro e os clientes assistiam assustados a invasão em tão “seleto” ambiente o Cicero esboçava um sorriso irônico. Deixamos de frequentar o bar que tempos depois fechou, pois havia deixado de ser moda.

Uma mentira para trazer o Reynaldo Jardim para trabalhar conosco
Um dia o Cicero chegou para mim e disse: Ajude-me a pregar uma mentira – da qual não me lembro mais qual era – no Zé Carlos Martinez pois preciso trazer o jornalista Reynaldo Jardim para trabalhar com a gente.
Jardim era famoso por ter participado da reforma do Jornal do Brasil, pela criação do caderno B – um suplemento dominical do mesmo jornal e por ter trabalhado nos principais órgãos da imprensa brasileira.
Jardim fez o percurso Rio-Curitiba de ônibus, ficou hospedado em um dos apartamentos improvisados que havia no prédio do jornal e da TV – (antigo Canal 6, hoje Canal da Música) e vivia vestido com um enorme capote marrom que lhe descia até os tornozelos.
Fez um excelente trabalho no Diário do Paraná, e creio ter sido o criador do Caderno Anexo – um suplemento cultural diagramado pelo Rettamozzo com a participação do Leminski e de vários intelectuais locais. Cicero era mestre em fazer as coisas acontecerem.
Batendo palmas pra louco dançar
Um dos diretores do Grupo OM não podia beber, pois tomava remédios para o coração e a mistura álcool/remédios dava uma estranha convulsão. Certa manhã de segunda-feira o nosso amigo desceu dos apartamentos – aqueles que já citei – e, em estado alterado, vestindo um roupão e nada por baixo, andava pela redação assustando a todos. Foi à sala da telefonista e tomou conta do sistema de alto falante ditando ordens e avisos desconexos. Perseguiu uma recepcionista pelos corredores que aos gritos foi se refugiar na sala do comercial.
Chamou um jornalista à sala do Zé Carlos Martinez, que não estava presente no dia, e começou a ditar uma matéria sem pé nem cabeça; o jornalista, novo na casa, não estava entendendo nada, pois pensava que o alterado era Sr. Oscar Martinez, o poderoso chefão. Ao mesmo tempo chamou uns cinco rádios taxis que reclamavam no pátio pela longa espera do passageiro que não embarcava. Para apaziguá-los paguei pelas corridas não havidas e pedi desculpas.
Depois de ele muito aprontar, eu e o Creso fomos falar com o Cicero: Fulano de Tal precisa ser detido vamos trancá-lo no apartamento e chamar um médico, pois já passou dos limites há tempos. Cicero naquele seu jeito calmo retrucou: deixa ele fazer o que sempre teve vontade de fazer, daqui a pouco se acalma e não vai se lembrar mais do que fez. Ele está feliz, não está? E foi o que aconteceu.
O mistério do pagador de promessas desaparecido
Como o Cicero havia trabalhado no jornal Última Hora certa vez perguntei-lhe: vocês, cobriram a exaustão o caso de um imitador do filme O Pagador de Promessas (1962) que saiu do interior do Paraná carregando um cruz até a igreja do Rocio em Paranaguá. O povo acompanhava fascinado as matérias e as fotos do homem andando pelas rodovias.
De repente ele desapareceu e criou-se um grande mistério – o jornal fazia indagações sobre o seu desaparecimento, entrevistava religiosos, guardas rodoviários, donos de postos de gasolina, parapsicólogos … Parecia que o homem havia sido abduzido.
Reforcei a pergunta – você que acompanhou o caso de perto, o que de fato aconteceu? Cicero falou: o jornal estava vendendo muito e se ele chegasse logo à Igreja do Rocio não teríamos mais assunto, então pegamos o homem e o colocamos em uma boate perto de Paranaguá – O Mosquitinho – ele ficou lá com as moças por uns dias enquanto criávamos o clima do desaparecimento.
Depois soltamos e ele chegou até a igreja. Lembrei-me do filme A Montanha dos Sete Abutres quando o jornalista (Kirk Douglas) mantém cativo em uma mina o Leo Mimosa porque o seu jornal estava vendendo muito, mas isso é uma outra história.