Assessoria – Durante quase 25 anos, a curitibana Maria Angélica Telles viveu no centro da urgência: nos plantões, incubadoras e corredores dos hospitais. Entre Curitiba e Pato Branco, onde atuou como neonatologista, ela dedicou-se intensamente ao cuidado de recém-nascidos, lidou com condições de alto risco, tratou prematuros ou esteve frente a frente com doenças graves.
Na pandemia, essa rotina foi ainda mais intensa. “Naquele primeiro ano da Covid-19, vi crianças morrerem sem os pais por perto. Vi caixões serem lacrados. Entreguei as piores notícias, nos piores momentos”.
Segundo Maria Angélica, esse momento, já muito difícil, se tornava ainda mais desafiador cada vez que ela se via “do outro lado do balcão”. Seu filho mais novo, Thiago, nasceu em 2013 com uma síndrome rara chamada Síndrome de Dravet, que causa convulsões graves e frequentes, e também foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A rotina intensa como médica neonatologista, somada à dedicação aos cuidados do filho e à experiência visceral da pandemia foram os gatilhos que a fizeram ouvir um chamado antigo: o da arte.
“Eu cuidava tanto dos outros que esqueci de cuidar de mim. E quando a pandemia veio, eu quebrei. Foi ali que a cerâmica deixou de ser um passatempo e passou a ser um caminho de cura”, conta ela, que já havia experimentado aulas esporádicas desde 2017, mas só em 2021 se entregou de forma sistemática à prática.
O que começou como um respiro emocional se tornou um projeto de vida. Enquanto seguia trabalhando, ela passou a guardar parte do salário e estudar o mercado de cerâmica como negócio. “Não queria algo improvisado ou puramente artesanal. Queria um espaço bonito, com identidade, que pudesse reunir arte, estética e conforto – e, claro, acolher meu filho, que compartilha comigo o amor pela cerâmica”, explica.

Assim, em 2025, nasceu em Curitiba o Almamia, ateliê que une a delicadeza do gesto manual à sofisticação de um olhar curatorial. Inspirada por referências internacionais, de ateliês na América Latina à cerâmica japonesa e escandinava, Maria Angélica desenhou um espaço único, onde cada peça carrega afeto e intenção.
“Eu me encantei com estúdios no Chile e no Peru, onde a cerâmica conversa com a arquitetura e com o tempo. Isso me tocou profundamente. Não queria um ateliê industrial ou padronizado, queria algo que acolhesse desde crianças até adultos, entre iniciantes e artistas. E assim está sendo!”, descreve ela, que se desligou totalmente da medicina no primeiro semestre deste ano.
O Almamia hoje oferece oficinas, vivências e peças autorais. Um espaço onde a arte é processo, pausa e linguagem. “Modelar exige presença. É lento, é imperfeito, e por isso mesmo é profundamente humano. É uma escuta silenciosa. E é também uma escolha: a de reconstruir-se pelas próprias mãos”, finaliza.
Localizado no bairro Mercês, em Curitiba, o ateliê abre as portas na Rua Visconde do Rio Branco, 461. O espaço funciona de segunda a sexta, das 13h às 19h, e aos sábados das 10h às 14h, com programação de oficinas, vivências, eventos e exposições. A proposta é receber pequenos grupos em um ambiente intimista, onde o tempo desacelera e o toque ganha novo significado.