O Mural do Paraná estreia esta semana sua última colunista – desta leva inicial -, agora sobre Cultura: a jornalista e escritora Dinah Ribas Pinheiro, especialista em Jornalismo Cultural.
Ainda Estou Aqui, Manas, Agente Secreto, Último Azul, Ney Matogrosso e Rita Lee
Dinah Ribas* – O casal procura, num domingo à tarde, um filme para assistir e encontra I’m Still Here, em cartaz no cinema mais próximo da sua casa. O título em inglês lhes agrada, compram os ingressos e entram na sala com um pacote de pipoca. Atentos eles se surpreendem com o roteiro de uma história real ocorrido na década de setenta, num país chamado Brasil. A trama se inicia com uma família feliz composta pelo casal Rubens e Eunice Paiva e seus cinco filhos, que mora numa casa bonita, na frente da praia da Urca, no Rio de janeiro. Mas como acontece nos contos de fada e na vida real, eles não foram felizes para sempre… A ditadura militar, em sua fase mais perversa, coloca a existência dessas pessoas de cabeça pra baixo. Rubens é levado para um quartel do exército, no centro da cidade. Acusado de envolvimento com guerrilheiros, foi torturado e morto. Nunca mais foi visto. Eunice e os filhos vendem a casa e mudam para São Paulo e se reinventam. O filme a partir desse fato mostra Eunice lutando com todas as forças para conseguir resgatar a certidão de óbito do marido, só ocorrido em 1996. 25 anos depois. O enredo é formado de fatos reais, só não é verídico que o título estava escrito em inglês.
O filme é brasileiríssimo com um título também brasileiro. Ainda estou aqui, dirigido pelo premiado Walter Salles, de Central do Brasil, Abril Despedaçado e Diários de Motocicleta, com um elenco de notáveis: Fernanda Torres e Selton Mello, deu ao Brasil o primeiro Oscar de Filme Estrangeiro, em 2025, isso não é pouca coisa. Selecionado para 50 festivais no mundo, atingiu até agora, um público de quase 10 milhões de espectadores nos cinemas brasileiros. Após 21 semanas em cartaz, a produção foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de R$ 120 milhões. Nessa mesma toada de sucesso internacional, Agente Secreto, do não menos talentoso diretor pernambucano Kléber de Mendonça Filho, deu ao Brasil mais dois títulos de primeira grandeza, o de diretor para Mendonça Filho e o de melhor ator para Wagner Moura, no Festival de Cannes, na França, também neste ano da graça de 2025.
O Último Azul

As boas noticias “brasilianas” não param por aí. O também brasileiro “O Último Azul“, com Rodrigo Santoro no elenco, foi premiado no Festival de Berlim, na Alemanha, com o Urso de Prata, segunda mais importante honraria do certame. Tão importante que o Oscar americano e o Cannes francês, o filme de Mascaro recebeu ainda o prêmio do Júri Ecumênico, na capital alemã.. Os leitores do Jornal germânico Berliner Morgenpos um dos mais lidos alemanha, elegeram o filme “pintado de azul” como o melhor da competição. Dirigido por Gabriel Mascaro (Boi Neon, Divino Amor, Ventos de Agosto) a fita se passa num futuro imaginário na Amazônia, onde conflitos humanos retratam um governo nada humano, em que os idosos são encaminhados para uma colônia específica de “gente inativa”. Nessa história, Santoro, que já trabalha a muitos anos nos Estados Unidos, é um barqueiro que transporta pelo Rio Amazonas, uma senhorinha que não quer ser levada para o local desconhecido.
Manas

Quem achou que o sucesso dos brasileiros no Cinema para por aí, se engana totalmente. Manas, uma produção ambientada no interior do Brasil, coloca uma diretora brasiliense em patamar internacional. Marianna Brennand, sensibilizada com o destino de adolescentes que ao atingirem a puberdade são seduzidas pelos marmanjos da região, é conhecida pelo cinema documental. Ela lançou “O Coco, a Roda, o Pneu e o Farol” (2007), sobre tradição musical do “coco de roda” em Olinda, Pernambuco, e o documentário sobre seu tio-avô, o artista Francisco Brennand, No texto de Leonardo Sanches, crítico da Folha de São Paulo, o filme lida de forma bem direta, com a exploração sexual infantil. “Ambientada na Ilha de Marajó, rodeada pela porção paraense da floresta amazônica, a trama mostra como Marcielle é gradualmente cercada pelos olhares predatórios dos homens do seu convívio”. Marianna, com seu filme-denúncia recebeu o prêmio de talento emergente no Woman in Motion Awards no Festival de Cannes, na França, A honrara promovida pela holding francesa Kering busca reconhecer mulheres proeminentes na indústria cinematográfica – Em 2024, Mariana ganhou o principal prêmio da Gionarte Degli Autori, mostra paralela do Festival de Veneza.
Ney e Rita
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Ney Matogosso e Rita Lee, personagens icônicos da música brasileira, também estão lotando as salas de norte a sul do país. Mesmo quem nunca a assistiu os shows ao vivo ou na TV de Rita e Ney não ficam indiferentes às suas histórias de vida mostradas na tela grande. Homem com H, dirigido por Esmir Filho com produção de Veronica Stumpf é uma cinebiografia de Ney Matogrosso, 84, desde sua infância, no Mato Grosso, adolescência, vida adulta, onde o jovem de origem humilde que enfrenta preconceitos, se torna um dos artistas mais influentes da música brasileira com sua passagem pelo Secos & Molhados, onde ganhou projeção nacional, e a carreira solo. Foi convidado para se apresentar no Montreux Jazz Festival em 1983 e 1994, um dos mais importantes eventos do mundo, no gênero.
No Grammy Latino de 2014, a Academia Latina da Gravação o homenageou com o prêmio pelo conjunto da obra ao mesmo tempo que citou a declaração da revista Rolling Stone que o classificou como um dos três maiores cantores brasileiros de todos os tempos”. Ney Matogrosso gravou quase 50 álbuns ao longo de uma carreira que abrange mais de quatro décadas. Jesuíta Barbosa, no papel de Ney, encarna o artista com uma fidelidade que surpreendeu até mesmo o personagem original.. Josué, que viu o filme no Cine Passeio e não conhecia a figura de Ney Matogross, se impressionou com a “teatralidade das apresentações, o destaque pela misoginia, os figurinos ousados”. Matogrosso se notabilizou ao transformar sua fisionomia masculina e sua performance andrógina em um marco da contracultura durante os anos mais repressivos do regime militar. Cazuza, companheiro, de Ney, e que tem protagonismo no filme é representado por Julio Reis, num ótimo papel.
João Lee, filho de Rita Lee com Roberto de Carvalho, falou que “a produção do documentário Ritas foi gravada três semanas antes da morte da cantora, em 2023. “Acabou que, por motivos de força maior, a gente gravou as entrevistas faltando pouco menos de três semanas para ela ir”, explicou, “então tava todo mundo muito emocionado naquele momento.” A pesquisa sobre a vida da cantora, reunida em documentos, gravações de shows, e entrevistas, feita por Venâncio e Eloá Clouzal durou cinco anos. A direção de Oswaldo Santana e Karen Harley seguiu o roteiro de Fernando Fraiha. A Revista Rolling Stones registra que o documentário utilizou “a própria voz de Rita Lee, recuperando entrevistas inéditas, gravações caseiras e registros pessoais que, costurados com inteligência — e muita música —, criam uma narrativa guiada pela própria artista. É uma escolha acertada: ninguém melhor do que Rita para falar sobre Rita. Com humor ácido, ironia, doçura e, sobretudo, verdade, ela nos conduz por sua trajetória com uma lucidez impressionante, inclusive ao tratar de temas difíceis. O tom nunca escorrega para o melodrama nem para a idolatria vazia: é um filme sincero, como ela sempre foi”.
Em 2023, a artista anunciou o lançamento do livro Rita Lee: outra autobiografia em que ela narra detalhes de seu tratamento contra um câncer de pulmão, diagnosticado em 2021. Construiu uma carreira que começou com o rock, mas que ao longo dos anos flertou com diversos gêneros, como a psicodelia, o tropicalismo, o pop rock, disco, new wave, o pop, bossa nova e eletrônica, “criando um hibridismo pioneiro entre gêneros internacionais e nacionais”. Rita foi considerada uma das musicistas mais influentes do Brasil, sendo referência para aqueles que vieram a usar guitarra a partir de meados dos anos 1970. Ex-integrante do grupo Os Mutantes (1966–1972) e do Tutti Frutti (1973–1978), participou de importantes revoluções no mundo da música e da sociedade. Partiu aos 74 anos, deixando um legado que a torna insubstituível, na cena musical brasileira após receber um Emy e outras premiações. Ela compôs 315 músicas e 638 gravações, em cerca de trinta álbuns.
Cinema nacional
Resumo da ópera: quem ainda duvida da importância do cinema nacional, com certeza pode mudar de idéia ao tomar conhecimento de sua repercussão no exterior, com premiações que vão do Oscar, ao Festival de Cannes, passando por Veneza, e outros inúmeros eventos cinematográficos pelo mundo afora. Basta abrir a mente e o coração e escolher uma tela grande para seu maior deleite, em qualquer casa do ramo. Após as fitas migrarem das telas para o streaming é bom sentar-se no confortável sofá da sala e conferir. Com certeza será um ótimo programa.
Dinah Ribas Pinheiro
*Dinah Ribas Pinheiro é jornalista e escritora, especialista em Jornalismo Cultural. Trabalhou por duas décadas na Assessoria de Imprensa da Fundação Cultural de Curitiba. Exerceu a mesma função na Escola do Teatro Bolshoi em Joinville. Assessora de Comunicação no BRDE e no espaço cultural do Palacete dos Leões. É autora dos livros “A Viagem de Efigênia Rolim” nas Asas do Peixe Voador e “Teatro de Bonecos Dadá-Memória e Resistência”.