segunda-feira, 11 agosto, 2025
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Cultura: Cinemateca de Curitiba completa cinco décadas

Dinah Ribas Pinheiro* – Valêncio Xavier deve estar assoprando velinhas no Cosmos durante todo este ano de 2025. O motivo? O aniversário de cinquenta anos da Cinemateca criada por ele. Funcionário da Fundação Cultural de Curitiba desde a sua fundação, em 1973, Valêncio desenvolvia as atividades do áudio visual da instituição, naqueles primeiros anos, no Teatro do Paiol, inaugurado em dezembro de 1971 com show de Vinicius de Morais, Toquinho, Marília Medalha e Trio Mocotó. As exibições de filmes de arte, palestras bem como cursos de iniciação ao Cinema eram realizados naquele espaço cênico, considerado um dos mais charmosos de Curitiba, naquela época.

Valêncio convidou o jovem crítico de cinema Francisco Alves dos Santos para ajudá-lo nessa empreitada. Formado em Filosofia, seus textos, uma abordagem estética com um olhar humanístico e social, chamavam a atenção. Francisco viajava para os principais festivais nacionais, (Gramado, Brasília e Salvador) fazendo cobertura para a imprensa local ao mesmo tempo em que trazia as novidades do cinema para exibição na Cinemateca. Muitas vezes as estréias aconteciam com a presença de diretores para debates com o público. ”Valêncio estruturou a Cinemateca com os pilares básicos. Primeiro:pesquisa, prospecção, recuperação e formação de acervo de filmes. Segundo: formação cinematográfica. Terceiro: difusão cinematográfica” afirma Francisco que é autor dos livros Cinema Brasileiro, 1975, Cinema no Paraná- Nova geração, Cinema no Paraná –Anos 90 e Dicionário de Cinema no Paraná.

Bastou a Cinemateca ser inaugurada no dia da graça de 23 de abril de 1975, para que os cinemaníacos, universitários, professores e intelectuais curitibanos se apossassem daquele território e o transformassem na sua própria casa. Quem acolheu de braços abertos o mais novo point da Cidade foi o Museu Guido Viaro, pertencente à FCC, na Rua São Francisco, 319, na ocasião dirigido por Jair Mendes (1938-2017) um dos mais importantes pintores paranaenses. Constantino Viaro, filho do pintor, que cedeu o acervo do pai em Comodato para a Fundação Cultural, junto com Xavier foi um entusiasta da iniciativa. A Cinemateca do Museu Guido Viaro foi inspirada nas outras duas já existentes no Brasil. A Cinemateca Brasileira, em São Paulo e a Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro.

Valêncio XavierUm anexo do Museu foi adaptado para sediar a Cinemateca com um auditório para exibição de filmes, palestras e seminários. Comportava ainda, salas de pesquisa e administração, e sala climatizada para o acervo. A câmara de 16 mm e a moviola eram o xodó dos alunos dos cursos práticos. Era ali que começavam a nascer seus primeiros filmes. Havia ainda um equipamento em Super Oito, utilizado num Projeto de Cinema desenvolvido nas escolas municipais de Curitiba, que permitia a realização de filmes de animação pelos alunos.

Hoje, com a chegada do cinema digital, esses equipamentos analógicos dentre outros, pertencem ao acervo memorial da Cinemateca. Duas décadas mais tarde, com o nome de Cinemateca de Curitiba. A instituição ganhou sua sede própria na Rua Carlos Cavalcanti, 1174, onde funciona até hoje. A sede é o resultado da junção de dois imóveis históricos no Alto São Francisco e uma nova construção que foi agregada ao imóvel para abrigar a sala de exibição com 200 lugares, mais a sala de preservação de filmes e um espaço administrativo. A Cinemateca, em sua idade adulta prosseguiu com as metas a que tinha se proposto desde a sua criação.  Em 2023, a jornalista Mirian Karan lançou o documentário Geração Cinemateca. Com produção de Teia Werner, roteiro em parceria com Kamil Gemael, ela entrevista pessoas que fizeram parte do nascimento daquele espaço cultural. Freqüentadora desde o início, Karan além do jornalismo impresso trabalhou com audiovisual, principalmente na TV.

A pesquisa

Pátria redimida, documentário dirigido por João Baptista Groff

Valêncio Xavier Niculitcheff (São Paulo 1933- Curitiba 2008) era pesquisador, escritor, cineasta, foi também pioneiro da televisão no Paraná. Ao criar a Cinemateca, ligada à FCC-Prefeitura, ele deixou seu nome na história do Cinema no Estado. O setor de pesquisa, criado e incentivado por ele, serve até hoje como referência para interessados no tema dos pioneiros.

Pátria Redimida, Um filme revolucionário (1930) de João Batista Groff, tem uma importância histórica, sem precedentes ao registrar a eclosão do movimento político-militar daquele ano, no Rio grande do Sul. A insurreição marcou o fim da República Velha no Brasil, e o início da Era Vargas (1930-1945). Esse filme, com o passar do tempo, não tinha mais condições técnicas de exibição. “Com apoio da família Groff que detém os seus direitos” diz Francisco Alves dos Santos, “ Valêncio Xavier conseguiu viabilizar a restauração deste material o que permitindo a tiragem de nova cópia. O resgate proporcionou às novas gerações o acesso a esse marco do documentário paranaense”. Continua Francisco “o mesmo ele fez com outros filmes de pioneiros do cinema paranaense como Panorama de Curitiba (1909) de Aníbal Requião e Hollywood Studios (1927) de Artur Roger(1929)”.

Foi a partir destes resgates fílmicos que se deu início, sob a coordenação de Xavier, naqueles primeiros anos, a várias pesquisas e publicações, patrocinadas pela própria Cinemateca sobre as origens do cinema no Paraná. O filme de Groff teve pesquisa e texto de Celina Alvetti e Clara Satiko. Solange Stecz e Elizabeth Karan se debruçaram sobre a obra de Aníbal Requião. Essas monografias foram premiadas num concurso nacional promovido pelo MEC/Funarte/Embrafilme e publicadas no volume Cinema Brasileiro Oito Estudos, de 1980. Solange também é autora de Referências sobre filmagens e exibições cinematográficas, em Curitiba, no período de 1892 a 1907, publicada no boletim da Casa Romário Martins/FCC, em 1976.

Solange Stecz. Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Stecz e Thelma Penteado Lopes são autoras de Jacarezinho, Cidade Rainha do Norte do Paraná, um testemunho sobre o cinema de cavação no norte pioneiro, a propósito do cine-jornal homônimo. O filme, que deu origem ao texto, foi recuperado em 35 mm e faz parte do acervo da Cinemateca. O termo Cinema de Cavação surgiu entre as décadas de 1910 e 1920, no Brasil, e se referia ao registro de eventos sociais como festas, comemorações e o cotidiano das cidades. O texto de Solange e Thelma foi publicado no Caderno de Pesquisa do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro com a Fundação do Cinema Brasileiro e Minc (1988) Solange, membro ativo do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro e atualmente é professora no Curso de Cinema da Unespar.

Francisco relata que “na década de 1970, em plena ditadura militar, sob a direção de Valêncio, a Cinemateca era o único espaço alternativo para  debate e a liberdade de expressão, ao disponibilizar para o público uma programação que incluía filmes nacionais voltados para uma radiografia da realidade brasileira, sua identidade, suas disparidades sócio-econômicas”.

E continua, “Graças a convênios estabelecidos com as outras duas cinematecas brasileiras e instituições culturais estrangeiras como Aliança Francesa, Instituto Goethe e algumas embaixadas se pôde viabilizar naquele início, uma programação de alto valor cultural. Os diretores americanos Edson, Griffith Porter e Chaplin, os franceses Lumière e Meliés, bem como a vanguarda russa e francesa, a experiência nórdica, o expressionismo alemão, o neo-realismo italiano e a Nouvelle Vague eram exibidos e discutidos por alunos e estudiosos. Os curitibanos conheceram ainda, naquela década, a filmografia do novo cinema alemão, um movimento avançado com produções de Werner Herzog, Win Wenders e Werner Fassbinder”.

Valêncio deixou a Cinemateca em 1982, Francisco Alves continuou o seu legado.

Continua na próxima semana.

*Dinah Ribas Pinheiro é jornalista e escritora, especialista em Jornalismo Cultural. Trabalhou por duas décadas na Assessoria de Imprensa da Fundação Cultural de Curitiba. Exerceu a mesma função na Escola do Teatro Bolshoi em Joinville. Assessora de Comunicação no BRDE e no espaço cultural do Palacete dos Leões. É autora dos livros “A Viagem de Efigênia Rolim” nas Asas do Peixe Voador e “Teatro de Bonecos Dadá-Memória e Resistência”.

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