quinta-feira, 19 junho, 2025
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Conversa nas Horas Zagas: Imagens Embaçadas

Por Zaga Mattos* – Muito me ufano de não padecer de dependência afetiva. Mesmo sob pressão de temperatura ou de circunstâncias. Mas – ah, esse mas… – há momentos em que sou obrigado a sucumbir.

Não! Ser Natal ou a virada de ano não afeta, pelo menos conscientemente. O que está acontecendo, no entanto, tem um jeito diferente, estranho; a lufada de saudade que percorreu a espinha, eriçou os pelos do braço, como um gato assustado, fez os olhos tremelicarem e culminou com engolir em seco. Agora, estou vivendo em um ponto equidistante daquelas tradicionais comemorações, parei para pensar e senti o tempo passando. Aquela sensação vivida na minha infância quando ficava com o nariz quase esborrachado no vidro do trem, vendo a paisagem passar correndo aos meus olhos. Eu, extasiado, estava parado. Lá fora as árvores, as casas, as pessoas… tudo corria. Ali, inerte e na feliz ignorância, eu não sabia definir aquilo como o tempo passando. Embora eu estivesse me adiantando em direção ao futuro, na realidade era a vida que passava diante de meus olhos, embalada pelo som resfolegante da velha maria-fumaça

Vem aí a marca de mais um ano na cronologia da minha vida… Aquela paisagem no futuro, lá para onde não iam a fumaça e as fagulhas da fornalha, alimentada pelo maquinista e seu ajudante. Os trilhos apontavam para o incerto, por mais certo que fosse o seu destino. Em Julho, daqui a pouco mais de dois meses, desembarcarei em mais uma estação. A placa transversal, pregada em um par de dormentes, anunciando a estação, traz um número revelador de quanto longo foi o caminho deixado para trás

Se antes aguardava o momento do embarque para meu novo ano, hoje não faço planos. Fico naquela do tanto se me dá como se me deu. Mais do que despreocupação. Muito mais de cuca fresca. Apenas sigo o refrão do “deixa a vida me levar”. Sei que hoje vejo a paisagem com outros olhos. Olho muito mais para onde vão as fagulhas e a fumaça. Mas o distanciar-se torna-as mais difusas. Essa imagem embaçada já não é fruto da minha visão cansada. Revela, sim, que há, nesse torvelinho de imagens, a sucessão de instantes registrados nessa viagem tão longa. Momentos distantes. Marcantes.

*Zaga Mattos, ou Luiz Gonzaga de Mattos, é jornalista “curitibano-barriga verde” e escritor. Cronista do cotidiano e da boemia, também faz as tirinhas e charges da home do Mural do Paraná – desde os tempos do Blog do Aroldo Murá.

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