Por Alan Bousso, advogado e mestre em Direito Civil pela PUC São Paulo – Um dos temas mais comentados no Brasil nas últimas semanas, o caso Larissa Manoela leva a pensar sobre como proteger os bens dos pequenos artistas, em alguns casos até mesmo dos familiares. A condução da gestão do patrimônio da atriz, que acabou abrindo mão de milhões após uma disputa com os pais, mostra a necessidade de criação de leis voltadas às crianças que iniciam cedo carreiras de sucesso. A repercussão foi tanta que já fez com que surgissem projetos legislativos relacionados ao tema no Congresso Nacional.
Crianças famosas parecem privilegiadas por terem oportunidade de ganhar dinheiro antes mesmo de compreender os valores. Mas elas continuam sendo crianças e seguem vulneráveis em alguns aspectos como todas as outras. Vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente define: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
A Constituição Federal trata da proteção de crianças e jovens e estabelece que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Trabalho infantil artístico
Com base somente nesse artigo já é possível ponderar alguns tópicos relacionados aos jovens artistas. Primeiro, cabe à família, mas não somente a ela, garantir os direitos das crianças. Logo, também compete à sociedade – incluindo a escola e até mesmo um provável contratante intervirem em certos contextos para proteger a criança. E cabe ainda ao Estado, seja por meio do Legislativo, ao estabelecer regras, ou do Judiciário, ao fiscalizar e determinar o cumprimento das mesmas. Portanto, é razoável garantir que o fruto do trabalho de uma criança lhe garanta direitos como saúde, educação e lazer.
As oportunidades para o futuro também devem ser garantidas. Não adianta a criança simplesmente ganhar dinheiro no presente e, no futuro, não ter condições de prosseguir os estudos, levar uma vida digna ou até mesmo optar por outra carreira. Lembrando que a profissionalização de crianças como artistas é uma exceção à lei que, em geral, não permite o trabalho infantil. A atuação dos pequenos em projetos de audiovisual precisa sempre de autorização de um juiz para que ocorra.
Assim, o caso Larissa Manoela leva à reflexão: uma criança que trabalhou desde os 4 anos de idade não deveria ter, quando chegasse à vida adulta, reservada para si uma quantia proporcional ao seu empenho e tempo dedicados?
O Código Civil estabelece que pai e a mãe podem usufruir dos bens dos filhos menores de 16 anos e são responsáveis pela sua administração. Ou seja, a lei dá amplos poderes aos pais. De modo geral, seriam as pessoas mais confiáveis para cuidar dos bens da criança. Mas nem sempre é assim. Por isso, as propostas legislativas trazem alguns aspectos interessantes a serem considerados.
Uma das proposições é em relação à proteção contra a violência patrimonial e propõe pena de seis meses a dois anos, multa e o bloqueio de bens e valores fruto da prática criminosa, em favor da vítima.
Outro projeto de lei sugere que pelo menos 30% dos rendimentos do menor sejam depositados em conta que só poderá ser movimentada após os seus 18 anos. Há ainda um PL que sugere determinar por lei que o Ministério Público se manifeste em relação à participação dos jovens em suas empresas.
Não há dúvidas de que essas propostas devam ser debatidas. Contudo, não pode ser o efeito midiático a mover o debate de novas leis, mas sim o maior interesse das crianças, que são de fato as verdadeiras impactadas pela decisão dos adultos.