Por Dr. Eduardo Leme Alves da Motta* – No filme Joy, disponível na Netflix, somos apresentados a uma história de inovação, superação e perseverança. O longa-metragem narra a história de Louise Joy Brown, o primeiro bebê concebido por fertilização in vitro, e destaca os cientistas responsáveis por essa técnica revolucionária. O drama biográfico foca, não apenas nos feitos acontecidos na Clínica inglesa Bourne Hall por meio do médico Patrick Steptoe e do biólogo Robert Edwards, mas também resgata o papel essencial da enfermeira Jean Purdy, cuja contribuição foi esquecida pela história, mas foi quem manejava embriões nos discos de cultura.
Antes do marco de julho de 1978, casais com dificuldades para conceber enfrentavam poucas opções eficazes e muitos grupos no mundo se aventuravam como pioneiros nesta tecnologia. No entanto, a equipe formada por Steptoe, Edwards e Purdy desafiou as probabilidades e desenvolveu a fertilização in vitro, mudando para sempre o tratamento da infertilidade.
A trama, marcada por desafios, obstinação e conquistas, reflete um espírito que pode ser comparado com os 40 anos de evolução da medicina reprodutiva, um campo que, assim como a protagonista do filme, passou por transformações extraordinárias para se tornar o que é hoje.
Quando comecei minha carreira, há cerca de 30 anos, a medicina reprodutiva já era reconhecida, mas o aparato era muito diferente do atual. Os hormônios eram todos obtidos da purificação da urina, não existiam os hormônios recombinantes, idênticos aos que as mulheres secretam. Já no laboratório, as incubadoras eram aparatos enormes, todos os embriões sendo cultivados em um mesmo espaço, logo, qualquer abertura para avaliar um disco comprometia a temperatura e os gases que imitam nossa natureza, contribuindo para a instabilidade deste cultivo.
Não existia a chamada ICSI (Injeção Intra-Citoplasmatica de Espermatozoide), que é quando se fertiliza o óvulo com apenas um único espermatozóide. Então, homens com contagem baixa, quase não tinham soluções e a biópsia dos embriões eram ineficazes e os métodos de detecção muito falhos. As perspectivas de sucesso eram três a quatro vezes menores que as de hoje, o que motivava a colocação de muitos embriões e as complicações das gestações múltiplas. O diagnóstico e tratamento da infertilidade eram muito mais simples, sem a sofisticação das técnicas modernas de imagem, criopreservação e até mesmo da Inteligência Artificial.
A FIV, então, era um procedimento inovador, mas com um número limitado de ciclos de sucesso. Era um marco, como a invenção de uma nova técnica em Joy, algo que exigiu grandes investimentos de tempo e dedicação. Contudo, a medicina reprodutiva estava apenas começando sua jornada de transformação.
Avanços com a IA
A partir da metade dos anos 90 em diante, muitos avanços marcaram a história da medicina reprodutiva. A ICSI foi um marco na micromanipulação das células, a criopreservação de óvulos e embriões foi totalmente reformulada no início de 2000, com um processo chamada de vitrificação, e hoje é uma das principais ferramentas de preservação da fertilidade. Esse procedimento permitiu que mulheres, que de outra forma não teriam oportunidades de preservar seus óvulos, pudessem adiar a maternidade e, mais tarde, utilizar seus óvulos preservados para realizar a FIV com taxas de sucesso elevadas.
Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem desempenhado um papel crescente na medicina reprodutiva. Na clínica, a aplicação de IA ajudou a aprimorar a análise de embriões, aumentando as chances de sucesso da FIV. As ferramentas baseadas em IA permitem a seleção de embriões com maior potencial de desenvolvimento e implantação, um passo gigantesco em direção à personalização dos tratamentos. A IA trouxe consigo o que há de mais moderno e inovador para a medicina reprodutiva, de maneira semelhante ao caminho percorrido na película Joy, ao transformar uma ideia simples em uma grande invenção.
Visão para o futuro
Ao olhar para o futuro da medicina reprodutiva, é possível enxergar um horizonte ainda mais promissor. A IA, como vimos nos últimos anos, continua a transformar a área de maneira acelerada. No futuro, é provável que a personalização dos tratamentos seja ainda mais precisa, com o uso de algoritmos para prever a resposta do corpo aos medicamentos, baseados nas características e exames de cada pessoa. Com isto conseguiremos determinar, os melhores protocolos para a obtenção e implantação de embriões e, talvez, até mesmo a saúde genética dos futuros bebês, sem necessitar da biópsia tradicional com a remoção de células.
É importante também considerar a utilização de ferramentas de IA que permitiria a criação de tratamentos mais acessíveis e eficientes, diminuindo custos e democratizando o acesso da FIV para mais pessoas. Imagino que, nos próximos 10 ou 20 anos, seremos capazes de não só melhorar as taxas de sucesso, mas também de prevenir muitas das complicações relacionadas à infertilidade, por meio de diagnósticos mais precoces e tratamentos cada vez mais personalizados.
Assim como Steptoe, Edwards e Purdy se destacaram por sua inovação e coragem ao transformar suas vidas e carreiras, a medicina reprodutiva também se reinventou, com o foco constante em oferecer esperança para aqueles que desejam ser pais.
O futuro da medicina reprodutiva está repleto de possibilidades emocionantes. Com os avanços da inteligência artificial, com a personalização e outras tecnologias emergentes, podemos esperar que as próximas décadas tragam ainda mais oportunidades para casais ao redor do mundo. A evolução que vimos até hoje é apenas o começo de um novo capítulo na jornada de todos os que desejam construir uma família. O melhor ainda está por vir.
*Dr. Eduardo Leme Alves da Motta é Fundador do Grupo Huntington, corresponsável pelo ProFIV e Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia da Escola Paulista de Medicina – Unifesp