quinta-feira, 27 março, 2025
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Assim a crônica social se fez obrigatória na imprensa do Paraná (IV)

Lamento não termos mais os olhos e ouvidos atentos de João DeDeus Freitas Neto, jornalista e médico, que sabia tudo da vida curitibana, até com detalhes às vezes cômicos, e com muita crítica social. Da crônica de futilidades, então, era um privilegiado observador.

 

Chego à quarta parte desta série sobre a importância que teve a chamada crônica social na vida paranaense, a partir de 1960, quando, ao me iniciar em jornal, fui registrando essa realidade que hoje sei ter dimensão antropológica.

Até agora me detive no fenômeno Dino Almeida. Ele nunca foi superado, entre nós. Soube fidelizar leitores, coisa que outros do mesmo time de colunistas tentaram.

O estilo e a abrangência do DA foram insuperáveis.

Creio fortemente que colunismo social merece olhar profundo, além do jornalístico, tal as muitas leituras que se pode fazer da importância que essas crônicas de “amenidades” foram assumindo na vida do Estado.

Bem assim, merece análise acadêmica o espaço de invejável aceitação que os colunistas foram ganhando na sociedade abrangente. História que começou no Brasil com João do Rio, como citei.

FREITAS NETO ENCICLOPÉDICO

Lamento que um verdadeiro referencial da história da imprensa no século 20, o médico e jornalista João DeDeus Freitas Neto já não esteja entre nós. Ele saberia enriquecer esses relatos, dono que era de uma cultura multidimensional e enorme capacidade crítica. Criticava com o “savoir dire” dos franceses, e notável bom humor: era o homem do “ridendo castigat mores”, não perdoando nem amigos próximos.

A mim, por exemplo, estaria agora a me corrigir assim: “Aroldo, você escreveu ontem que as Quatro Estações foi obra de Mozart. Reprovou: é de Vivaldi. Se tem dúvidas, consulte a Barsa…”

João era um Google ambulante, ser absolutamente distante da vida digital.

ROSY DE SÁ CARDOSO

Freitas Neto, ex-pracinha, que lutou nos campos de Itália, tinha sempre com bom humor, enorme de humanidade e muito preciso nas afirmações. Assim, estaria hoje a me lembrar do papel de Rosy de Sá Cardoso, hoje a mais idosa dos jornalistas do Paraná, 95 anos, a primeira a escrever coluna social no começo dos 1930, no jornal O Dia.

Rosy foi além da crônica social: cantou em programas da pioneira Rádio Club Paranaense, a PRB-2, profissionalmente, e depois expandiu sua insaciável alma de repórter escrevendo páginas inteiras de reportagens sobre a realidade paranaense no Diário do Paraná – anos 1960, quando nos conhecemos na redação; depois essa neta do general João Gualberto Gomes de Sá voltou-se a temas de turismo na Gazeta do Povo.

 

ERA UM “GOOGLE”

É preciso reconhecer que no jornal de Francisco Cunha Pereira, Rosy foi muito mais que repórter de turismo: era o farol, o “Google” sobre um universo de assuntos que respondia de pronto às novas gerações de jornalistas que nela tinham sempre melhor reposta. Ficou na GP até enquanto o jornal impresso existiu diariamente, se negando a mudar-se para o jornal digital.

Graças, Rosy estava viva, atendida por cuidadores, mas não capitula: não quer saber de mídia impressa.

 

CALIL SIMÃO JURYL

Calil Simão, dos colunistas sociais contemporâneos de DA, talvez tenha sido o que andou mais próximo das pisadas de Dino. Mas sempre ficou atrás do moço de “um passarinho me contou”, até porque não tinha o magnetismo de DA, sendo dono, ao contrário, de alentado carnê de inimigos e adversários que parecia cultivar com redobradas atenções diárias.

Tudo isso limitou os horizontes de veículos de Calil, que sempre teve jornais da chamada segunda linha em seu currículo. Quer dizer: os jornais até poderiam crescer por ter Calil em suas páginas. Um dos últimos foi o Diário Popular, do “patrício” – também filho de libaneses – Abdo Aref Koudri, notório alter-ego de Francisco Cunha Pereira, em lugar de quem dava recados e advertências ao mundo político que o contrariava, ou era empecilho a seus projetos de mídia. Jogavam juntos, e nem Calil tinha também algum papel como “mensageiro”.

Filho de libaneses cristãos, Calil assumia ares não muito raros entre imigrantes que “fizeram a América”: anunciava-se como legatário de importantes ancestrais nas vidas social e política de Beirute. Um seu avô, proclamava, teria sido prefeito de Beirute.

Calil não passou por universidade. Tinha só formação em técnico em contabilidade, mas bom nível cultura, manejando bem o português.

Arranhava um pouco do francês, talvez por influência da terra de seus pais, onde a língua de Molière implantou por lá um bom pedaço da ocidentalização do país.

 

FAZENDO ADVERSÁRIOS

Ao contrário de DA, que se relacionava muito bem com homens e mulheres, Calil tinha enorme capacidade de fazer-se confidente de senhoras e senhoritas “de nossa melhor sociedade”. O ti-ti-ti era uma de suas marcas, diziam seus inimigos.

Mas a verdade é que com as mulheres exercitava uma circular língua cortante, a quase ninguém perdoando. Isso lhe rendeu inimizades mortais, invídias históricas como as que identificaram seu relacionamento com Juryl Carnascialli, filha de De Plácido e Silva, alagoano que conquistou o Paraná, fundou a Gazeta do Povo, implantou os primeiros cursos superiores particulares em Curitiba (como a escola de Comércio e a Faculdade de Economia).

 

UM HOMEM DE PALAVRA

Juryl foi prova de quanto Francisco Cunha Pereira Filho era homem de palavra: ela ficou, até morrer, na Gazeta do Povo, como parte de compromisso que o condutor da GP assumira com seu pai, De Plácido e Silva.

Em tempos pré-Internet, “quando os exemplares dominicais da Gazeta eram disputados a tapa nas bancas” – como me lembra Walter Schmidt, Juryl estava lá com suas páginas “O que se passa na sociedade”.

Eram páginas- resumo de acontecimentos sociais relevantes (e às vezes apenas para atender a pedido de amigos), apresentados em linguagem entre o literário e com doses de rococó. Uma redação pouco jornalística como entendemos hoje.

Juryl nunca se interessou, ao contrário de DA, em adotar modelos vindos do Rio e São Paulo, como os de Ibrahim ou Marcelino de Carvalho, menos ainda de Pomona Politis.

Defensora aguerrida do “establishment”, raramente tinha uma opinião crítica. No entanto, nunca descobri como ela se mostrava ubíqua: conseguia, na semana, estar em todos os lugares relevantes para seu espaço e seu público, este fundamentalmente composto de parte do “velho Paraná” e boa fatia de emergentes sequiosos de espaço e luzes da Capital.

Luzes que todos poderiam ter com Juryl, se ela não votasse anátemas definitivos aos que vetava de saída.

Juryl Carnascialli

EDDY FRANCIOSI E WILDE

Na linha do tempo, recordo passagem mais ou menos curta de Eddy Antonio Franciosi pelas páginas do Diário do Paraná, no final dos 1960, ao mesmo tempo em que Wilde Martini, guarapuavano amigo seu, cuidava da vida social dos ditos clubes denominados de “segunda linha” no Diário Popular.

A ‘primeira linha clubística’, onde a dita alta sociedade se expunha por inteiro, seria sempre do Graciosa e Curitibano, e, sem dúvida, do Clube Concórdia, que reunia o melhor da etnia germânica.

Os alemães, é bom lembrar, foram essenciais na montagem do comércio de qualidade e indústria curitibanos a partir do século 19. Seria preciso lembrar as grandes ferramenteiras (ou ferrageiras?), como a Glaser, a Casa Vermelha, a Hauer, Esmalte, recheadas de produtos para as casas de fino trato, quase tudo vindo da Europa?

Se Wilde era mais ou menos um simplório, Eddy Franciosi, de origem gaúcha, com familiares em Guarapuava, era uma exceção nesse universo de cronistas sociais. Tinha lastro. Conhecia teatro de Becket às tragédias Gregas, de Oscar Wilde a Nelson Rodrigues.

Diretor de teatro consagrado em Curitiba, dirigiu o Teatro do SESI, lançou o nome mais expressivo da dramaturgia local, a curitibana Lala Schneider, um dia levada pela Globo para o Rio, em que não se encaixou.

Levou suas peças – como “Seu Nome erra Joana”- a palcos do Rio e Sampa.

Um caso à parte no mundo dos cronistas de amenidades é Carlos Eduardo Jung, catarinense que hoje, com ares de empresário bem sucedido, dirige a Diretriz Empreendimentos, voltada ao mundo das feiras. Ele, inteligente e empresário nato, foi repórter cento por cento em O Estado do Paraná, com coluna diária em que, a meu ver, absorveu muito do jornalismo moderno, dos gossips inteligentes, por vezes cortantes de Zózimo Barroso do Amaral.

A sua grande fonte de informação – ou a maior, como queiram – foi o jornalista João feder -, amigo dileto de Jung, sempre na berlinda dos grandes acontecimentos na qualidade de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

(CONTINUARÁ)

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