Se a Fundação Cultural de Rio do Sul, SC, como está previsto, promover uma grande exposição na Casa Pellizzetti, ainda este ano, estará sendo colocado à disposição do público o maior acervo sobre imigração italiana no sul do Brasil, existente no país. Para o Paraná, isso vem sendo considerado auspicioso e importante, por mais de um motivo. Os interessados no assunto enumeram à coluna que: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, embora cada um com suas peculiaridades, fazem parte do mesmo contexto de aculturação do imigrante italiano, tendo com fundamento a origem da maioria (vênetos); ao contrário de S. Paulo (onde a maioria veio do sul da Itália, principalmente da Calábria e Campânia (Nápoles).
Ermembergo
O construtor e proprietário da Casa Pellizzetti, Ermembergo, foi um dos maiores amigos, no Brasil, do conde italiano Giovanni Rossi, o grande responsável pela experiência de comunidade anarquista, instalada no município de Palmeira, aqui no Paraná. Sem compartilhar integralmente dos mesmos ideais político-filosóficos do conde anarquista, Pellizzetti se identificou com o espírito idealista e principalmente com os conhecimentos científicos de Rossi no campo da agronomia, inspirando-se neles para difundir novas técnicas entre os colonos italianos. Como um dos fundadores de Rio do Sul, Ermembergo teve presença marcante na colonização de todo o Vale do Itajaí. Chegou a ser deputado em Santa Catarina, sendo sua a iniciativa legislativa para o desmembramento de Rio do Sul do então grande território que formava o município de Blumenau.
Filha única do segundo casamento de Ermembergo e herdeira da Casa, Beatriz Pellizzetti sucessivamente estudou, formou-se e tornou-se professora do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, onde obteve o doutorado, posteriormente pós doutorando-se na Sorbonne. Aposentada da UFPR, conseguiu concretizar o sonho de casar com a paixão de sua vida, Aulo Lolla, que recentemente enviuvara. Feliz, no Rio de Janeiro, onde vivia Aulo e onde o casal passou a morar, poucos anos se passaram e Beatriz foi golpeada pela morte do cônjuge. Recolheu-se, então, à sua Rio do Sul natal, onde continuou a pesquisar e a escrever livros importantes sobre os italianos e outros imigrantes europeus no Brasil. A professora vendeu seu apartamento no Rio de Janeiro, mas conservou o de Curitiba, para onde vem algumas vezes por ano.
Livros
Enquanto lecionava, escreveu teses e publicou livros sobre a primeira iniciativa de crédito cooperativo rural no Brasil, empreendida por seu próprio pai; sobre o que aconteceu em Santa Catarina durante a Revolução de 30; sobre a experiência anarquista do Conde Giovanni Rossi em nosso município de Palmeira (“Reflexões sobre uma utopia do século XIX, como testamento ideológico para a Terra de todas as Gentes no século XX. Baseado no escrito de 1895 do anarquista italiano Giovanni Rossi”), entre outros assuntos. Mesmo depois de aposentada e com problemas de saúde, Beatriz concluiu e apresentou à Sorbonne, em francês, a obra que é o coroamento de seu itinerário intelectual: mais de 800 páginas sob o título “Ideologia e Criatividade da Imigração Europeia no Brasil”. O esforço pessoal e quase sobre-humano da historiadora, museóloga e professora aposentada foi recompensado com o lançamento, em Roma, durante as comemorações dos 150 anos da Unificação da Itália, da versão italiana intitulada “L’Ideologia e la creatività dell’immigrazione europea in Brasile”.
Desde 2005, com a primeira versão editada em francês, a obra foi vertida para o italiano e publicada às expensas da própria autora, tendo sido lançada na sede do Museo Nazionale dell’Emigrazione, no Altar da Pátria, em Roma. Com farta ilustração documental e fotográfica, o livro interpreta a realidade de uma região do Brasil formada por imigrantes europeus, especialmente italianos e alemães.
Vicissitudes
Voltando à pátria e ainda continuando a enfrentar problemas de saúde, Beatriz não esmoreceu. Tentou empreender a publicação de sua obra em português, mas não logrou êxito, mesmo junto à editora da universidade em que lecionou durante décadas. Sem o devido apoio e estímulo para a publicação do texto em português de uma obra cujo valor foi reconhecido na Sorbonne e entre os estudiosos do assunto, na Itália, está prestes a lançar a segunda edição do texto em italiano. Resta perguntar até quando os pesquisadores e estudiosos do assunto, no Brasil, continuarão privados do acesso, em língua portuguesa, de uma obra tão importante.
Quanto à exposição na Casa Pellizzetti, mais vicissitudes: as inundações provocadas pelo rio do Sul (principalmente a grande cheia no final do século passado) danificaram documentos importantes, incluindo a correspondência entre Ermembergo e Rossi. Mesmo assim, o acervo documental é tão rico que ainda haverá muito material para ser exposto, dependendo da perseverança e tirocínio dos organizadores.