
Amigo dos familiares do mais chich e um dos mais idosos comerciantes de Curitiba, Carlos da Costa Coelho, 91, acabo de vir do Água Verde, neste domingo, 10 de agosto, onde ele foi sepultado.
A importância do paradigmático Coelho para a vida curitibana leva-me a transcrever parte do perfil que sobre esse cavalheiro, mestre do bom gosto na arte de bem vestir, escrevi em meu volume 5 da coleção Vozes do Paraná. Leia a seguir:
“Num fim de manhã de verão, 2012, sol lascado, encontro, por acaso, Carlos da Costa Coelho, 87, na Rua Emiliano Perneta, ao lado do prédio da Escola de Belas Artes. Estou em parte do centro desleixado de Curitiba, em que ambulantes tomam espaço próximo ao meio-fio e o vai e vem de gente do povo, simples e todo informal, é um continuum no sentido Praça Rui Barbosa, a dos imensos terminais de ônibus.

Por ali as lixeiras quase não têm serventia, pouco recebem os descartes dos transeuntes, a limpeza das calçadas não é exemplar, chego a tropeçar com uma caixa de maçãs que um vendedor “depositara” no caminho.
2 – FIGURINO INGLÊS
O velho personagem, dono da segunda mais antiga loja de Curitiba, que parece ter saído de um dos muitos figurinos ingleses que por anos encontrei na alfaiataria do italiano Marchitto, na Galeria Edifício Asa, é todo contraste com a cena local da Emiliano Perneta.
Num átimo, imaginei-me com câmera na mão, capturando os contrapontos da paisagem humana preciosa. Cena inesperada na Curitiba de 2012, irrepetível a curto prazo, acredito. Pois Carlos Coelho é único no entorno, único na cidade, indivisível com seus traços que me remetem ao começo dos 1960, quando o conheci.
Quem me introduziu àquele já cultuado, reverenciado e até temido ditador do bom gosto masculino curitibano de então foi o amigo comum, o colunista Dino Almeida.
3 – RADIOGRAFADO PELO “DEUS”
Nunca me esqueço: eu, recém-deixado de ser um teen, vestibulando de uma Curitiba que não mais era a da minha infância de moleque do Colégio Estadual do Paraná e do Centro Liberal de Cultura, da Biblioteca Pública, da JEC (Juventude Estudantil Católica) da Catedral, tremi por dentro. O “deus” Coelho pareceu me radiografar, olhar de lince a examinar minhas roupas absolutamente “da moda”, compradas a prestação no Lord Magazine, o must do pessoal de minha geração.
Enfim, eu seria um heresiarca naquele templo em que DA me introduziu, a Casa Coelho, fincada no térreo do edifício mais chique da Curitiba daqueles dias, o Santa Julia, na Praça Osório.
Em nenhum momento o senti fraternal ou acolhedor. Mas jamais hostil ou mal educado. Sua fala, naquele dia de 1960, eu a fui recolhendo, ele pontificando sobre a importância de o homem curitibano seguir, pelo menos, padrões de bem vestir como os paulistanos de casas como a Old England. Não era pedir muito, parecia dizer.
4 – A ARMADURA
Reminiscências dos anos 60 à parte, volto a 2012: O calor curitibano daquele dia era insuportável. Para simples mortais, só admitiria a combinação calça e camisa esporte, como eu vestia. Não para Carlos da Costa Coelho.
Cumprimento o empertigado senhor, o último dos cavalheiros que Curitiba registra, fidelíssimo ao figurino britânico clássico, impecável. Sua “armadura”, no inverno, pode comportar colete e cashmere acima de qualquer suspeita e, quem sabe, capa de gabardine inglesa também.
Ele se manifesta com uma sóbria efusão de simpatia pelo breve encontro, quando lhe indago pelos filhos, pela loja, pelo Atlético. Não citou meu nome, mas mencionou sucintamente um episódio que nos aproximou anos atrás.
Não precisou mais.
Havia conexão, a grande ligação sendo o filho Antonio Carlos da Costa Coelho que lhe segue as pisadas – não pelo trajar – mas pelo domínio que, como o pai, demonstra do patriciado curitibano. Pai e filho são um autêntico “Who’s Who” da vida curitibana.
5 – ALTO, IMPÁVIDO… UMA “APARIÇÃO”
Impossível ficar indiferente ao casual encontro e deixar de recolher, com certa compunção, o momento único que faria instante de graça para qualquer fotógrafo: alto, impávido, calça cinza, blazer azul-marinho, gravata vermelha, bengala majestática, mocassim preto – era uma verdadeira “aparição” curitibana. Ah, não posso me esquecer do chapéu, talvez aquele que, um dia, emprestou ao Anthony Quinn.
O encontro é rápido, ele se despede, entra num táxi. Mas foi tempo suficiente para ampliar minhas angústias sobre o tempo perdido. O que não significa que não aceite a marcha do calendário.
O que me amofina, isto sim, é saber que o essencial do estilo Coelho de comportar-se tem nele o último exemplar. E sem a mínima possibilidade de clonagem, até porque ela seria, de tudo, uma heresia aos postulados do mineiro que se mantém fidelíssimo a valores de sempre, dentre eles, a recitação do rosário diário.”
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