sábado, 28 dezembro, 2024
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A onça do largo da Estação e mais “causos” da Eufrásio Correia

CMC

Você sabia que a praça Eufrásio Correia já foi chamada de largo da Estação? E que a rua Barão do Rio Branco dividiria duas praças em frente à Estação Ferroviária? Do século 19 aos dias de hoje, a praça guarda muitas histórias.

Em 2013, o Nossa Memória, desenvolvido pela Diretoria de Comunicação Social da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), já havia publicado a matéria especial Três momentos na história da praça Eufrásio Correia”, do jornalista João Cândido Martins, sobre as origens do logradouro público. Agora, para marcar a festa dos 330 anos, o projeto resgata mais seis curiosidades sobre o espaço, vizinho ao Legislativo da capital paranaense. Confira!

A onça do largo da Estação e mais "causos" da Eufrásio Correia

1 – A onça e as duas praças

Até meados de 1880, a região onde hoje é a praça Eufrásio Correia era um descampado que pertencia à família Bittencourt, conhecido como “Potreiro do Conselho”. De acordo com um boletim da Casa Romário Martins, referente ao bairro Rebouças, no local havia três ou quatro casas com cercas de madeira. Na extremidade oposta ficava a travessa Leitner, que era a continuidade da rua Riachuelo e se prolongava por alguns metros após o cruzamento com a rua XV (à época a rua da Imperatriz).

A construção da Estação Ferroviária teve início em 1880, impulsionando o crescimento da região. Decidiu-se que ela ficaria a 800 metros da praça do Mercado (atual praça Generoso Marques), tomando como eixo de ligação a travessa Leitner, que teve o nome alterado para Dr. Trajano por deliberação da Câmara Municipal, em 1883. Em abril de 1890, ela passou a se chamar rua da Liberdade e por fim foi batizada de Barão do Rio Branco, em 1912.

Inaugurada a Estação Ferroviária, em 1885, a rua continuava pantanosa e praticamente intransitável em dias de chuva. Teve início então o processo de aterramento, a partir da terra retirada do Alto São Francisco. Durante as obras, para se ter uma ideia de como a região era erma, uma das equipes de operários foi atacada por uma onça, mas felizmente o episódio não resultou em nenhum ferido. No mesmo ano, o jornal “19 de Dezembro” chegou a sugerir o uso de detentos para as obras de aterro do Largo da Estação – como a praça Eufrásio Correia ainda era chamada.

Inicialmente, o plano era que a Dr. Trajano, hoje rua Barão do Rio Branco, dividisse duas praças de mesmo tamanho. Ou seja, quem saísse da Estação Ferroviária avistaria à esquerda a praça até hoje estabelecida. À direita, veria uma segunda área, com as mesmas dimensões. No entanto, houve uma rápida valorização imobiliária da região e a quadrilátero destinado à segunda praça foi loteado, restando somente os 11.500m² referentes à praça Eufrásio Correia.

2 – O primeiro comércio

De acordo com o historiador Marcelo Saldanha Sutil, em 20 de abril de 1885, apenas dois meses após a inauguração da Estação Ferroviária, a Câmara Municipal de Curitiba autorizou o comerciante Custódio José Martins a abrir um quiosque móvel com 12 metros de frente e dez de fundos. No espaço seriam vendidos biscoitos, pães, doces, cervejas, charutos e cigarros.

3 – Qual Eufrásio?

Durante muito tempo, houve uma confusão sobre a origem do nome da praça. O local passou a se chamar Eufrásio Correia a partir de 1888, com a morte do político parnanguara que, à época, exercia o cargo de presidente da província de Pernambuco. Em Paranaguá também foi inaugurada uma praça com o mesmo nome, conhecida popularmente como praça dos Leões.

Entretanto, em 9 de fevereiro de 1894, um soldado curitibano que também se chamava Eufrásio Correia morreu numa das batalhas da Revolta da Armada e gerou bastante repercussão. A morte foi extremamente comentada pelos jornais, que o descreviam como um herói, no mesmo patamar do General Carneiro ou do Coronel Dulcídio, ambos mortos no Cerco da Lapa, no mesmo ano. Com isso, muita gente passou a achar que o nome da praça era uma homenagem ao soldado.

A confusão durou alguns anos, mas o soldado e seu atos acabaram sendo esquecidos. Mais tarde, um terceiro Eufrásio Correia também ganhou certa projeção. Tratava-se de um advogado que teve participação intensa na disputa territorial entre o Paraná e Santa Catarina, a Guerra do Contestado. A exemplo do soldado, sua memória desapareceu na areia do tempo.

Praça Eufrásio Correia

4 – O Hotel Tassi

A quadra onde seria implantada a segunda praça foi ocupada por hotéis e estabelecimentos comerciais. Os principais hotéis foram o Tassi, localizado na esquina entre a rua Barão do Rio Branco e a avenida 7 de Setembro, e o Roma, onde até hoje funciona um hostel.

O antigo Hotel Tassi, fundado pelo casal Ângelo e Ângela Tassi, teve seus dias de glória. Em 1894, durante a invasão de Curitiba pelos revoltosos maragatos provenientes do Rio Grande do Sul, ainda se chamava Hotel da Estação e lá se hospedou o coronel e médico Ângelo Dourado, que acompanhava as tropas gaúchas lideradas por Gumercindo Saraiva. Dourado fez do hotel um hospital de campanha improvisado. Naquele momento, a edificação possuía apenas um andar.

O hotel passou a se chamar Tassi em 1896 e, alguns anos depois, ganhou um segundo pavimento. Não foram poucas as celebridades brasileiras do início do século 20 que nele se hospedaram. O poeta Olavo Bilac, por exemplo, esteve ali em 1917, sendo homenageado num disputado jantar.

O Tassi atravessou muitas décadas sendo um dos principais hotéis da cidade, mas, nos anos 1980, com a estação ferroviária inoperante há algum tempo, viveu uma visível decadência. Chegou a ser rebatizado como Hotel Continental, empreendimento de curta duração. Nos anos 1990, o imóvel se tornou uma ruína, mas em seu interior ainda estão preservados os ladrilhos utilizados na reforma realizada em 1900.

5 – O primeiro crime

O primeiro crime na praça, que se tem registro, ocorreu em 4 de abril de 1904. De acordo com o jornal “A Republica”, duas mulheres que moravam nas proximidades da Eufrásio Correia, Iria Enéas de Paula e Maria da Conceição, foram convidadas para um passeio de carro por três homens, um deles de nome Moscardine, e aceitaram o convite.

Conforme descreveu a publicação (mantida a grafia original), “quando o vehiculo atravessava a praça Eufrásio Correia, foram assaltadas Iria e Conceição pelos seus companheiros de passeio, que quiseram forçal-as à prática de atos de repugnante obcenidade. Como as duas infelizes não aceitassem as propostas ignobeis, os três indivíduos espancaram-nas, empurrando-as do carro abaixo”. Os agressores foram identificados e presos.

6 – Praça da arte

“Curitiba vai viver uma nova experiência. Céu aberto, cheiro de verde. Arte brotando, na tela, na massa, na pedra, o buril, o grafite manchando formas, o coração dançando. Um espaço conquistado.” Com essa chamada, a população de Curitiba foi informada, em 1977, que a praça Eufrásio Correia seria ocupada pelo projeto Praça da arte, idealizado pelo artista plástico Sérgio Moura.

Nascido em Manaus, em 1949, Moura iniciou a carreira artística em 1965, na Pinacoteca do Estado do Amazonas. Entre 1969 e 1971, expôs seus trabalhos em espaços como o Museu de Arte Moderna (MAM), o Parque Lage e o Festival de Ouro Preto, em Minas Gerais. Entre 1974 e 1980, frequentou o Centro de Criatividade de Curitiba, especializando-se em artes gráficas e serigrafia.

Na mesma época, Moura foi aluno da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP). Foi lá que ele teve a ideia da ocupação artística de um espaço público, criando o Praça da Arte, em 1977. O prefeito Saul Raiz (1930-2021) entregou a praça Eufrásio Correia aos artistas, num evento que teve a presença da professora Henriqueta Garcez (1928-2000), à época, diretora da EMBAP e um dos nomes mais importantes da música erudita no estado. O apoio de Henriqueta ao Arte na Praça foi fundamental para a revelação de artistas como Geraldo Leão Veiga de Camargo, Denise Roman e o próprio Sérgio Moura, entre outros participantes que ganharam projeção nacional e internacional.

“Aos domingos pela manhã”, relata Moura em seu site, “em pleno inverno curitibano nos encontrávamos na praça. Os equipamentos eram transportados da EMBAP – mesas, cadeiras, cavaletes, piano, barro, pranchetas etc. –, e deixados em local combinado”. “Durante o dia, os artistas trabalhavam e também mostravam o que haviam feito na semana. Os alunos de música tocavam piano, os cantores se apresentavam com o coral. Levávamos também grupos de teatro que executavam peças breves”, acrescenta o idealizador do projeto.

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