Por Leomar Marchesini* – Sou da geração baby boomer. E trago comigo lembranças de infância muito interessantes, algumas até mesmo engraçadas. Todas elas com aquele cheirinho de memórias afetivas. Recordações de conversas de casa, de minha mãe com minhas tias na mesa do café da tarde – ai que saudades -, comigo e com minhas amigas. Na maioria das vezes, conversas de mulher.
Na minha infância e adolescência, ainda não se usava calças compridas. Exceto em viagens de carro para a praia. Lá, também podia. Mas na cidade, em Curitiba, jamais. Por que será? Por revelar as formas do corpo? Penso que sim. Certa vez vi uma moça de calças compridas preta, andando na Rua XV, com todos olhando e se virando para ver melhor que rosto tinha aquela rebelde ou uma turista. E olha que os também chamados “eslaques”, como se dizia aqui no Sul, nem eram tão justos assim, pelo contrário.
Havia um outro uso igualmente proibido. Deste, até acho graça: usar rabo de cavalo. Ninguém usava! As senhoras e senhoritas “finas” usavam coques, principalmente nos bailes. Cabelos longos e soltos, só para mulheres solteiras. Para as casadas, não era bem-visto usar cabelos compridos. Era sinônimo de vulgaridade, de exibicionismo. As jovens – não importava a idade que tivessem- tão logo se casavam cortavam os cabelos. Isto sim era chique e digno de “uma moça de classe”, que frequentava o salão L’Officiel aos sábados, na Galeria Ana Cristina na Praça Osório. A primeira vez em que vi uma senhora da sociedade usando rabo de cavalo foi na praia e se tratava da segunda esposa de um cartorário poderoso. Ela desafiava as convenções. Eu achei “o máximo”. Imagine se não iria vibrar com uma mulher de hábitos inovadores. Mas a primeira vez que fui imitá-la, minha mãe ao me ver disparou:
– Ah! Não use essas coisas!, com a melhor expressão de desprezo pelo penteado.
Continuo admirando os rabos de cavalo, agora super democráticos, usados pelas moças da elite e pelas modelos e manequins sofisticadas nas passarelas.
Porém, o ponto mais afagado de minhas lembranças, é o “vestido de andar em casa”. Que delícia de hábito feminino. Imagine você, que escolhíamos o tecido nas lojas dos Tacla, especialmente para isto; selecionávamos um modelo descomplicado e mandávamos fazer nas costureiras. Eram vestidos específicos, que não seriam usados para sair de casa; eram feitos de tecidos mais simples, em modelinhos confortáveis, mas graciosos, que serviam unicamente para ficar em casa.. Tive um desses modelitos, do qual guardo no coração a lembrança. Era de algodão xadrez rosa e branco, em modelo “tubinho”. Eu adorava aquela roupa e muitas vezes saia assim vestida, até a entrada do prédio em que morava. Foi costurado por uma vizinha que costurava só para a família e me concedeu aquele privilégio. Eu amava a despretensão daquela roupa, tão suave e caseira, como eu sonhava ser a vida.
Estas roupas vinham bem a calhar, porque naquela época, as moças e as senhoras não saiam tanto quanto se faz hoje. E para ir às ruas, era preciso usar sapatos de salto alto, com bolsa da mesma cor, e luvas de pelica. Afinal, estávamos nos anos dourados! A época da elegância e do glamour. Da inauguração de Brasília, com uma primeira dama superelegante, fina e atuante, Dona Sara Kubitschek.
Agora, o auge da realização das meninas, inclusive minha e de minha melhor amiga de infância, era usar o recém-lançado pó compacto do Avon e as colônias lançadas pela marca, que foram a mais pura novidade no comércio local. Ah! O aroma do pó compacto, sinto até hoje. Baton não usávamos, porque nossas mães não permitiam. Mas cheirar a Toque de Amor ou Topázio, era um prazer diário em nossas toilettes. Fazíamos “misan plus”, uns caracóis nos cabelos, que enrolávamos com grampos para dormir e na manhã seguinte, ao soltá-los, nos sentíamos belas princesas, prontas para dançar com os “pães”, ao som de Beto e seus Cometas, nos “Venha a Vontade” do Clube Curitibano – na linda Sede da Barão do Rio Branco – aos domingos a tarde.
E por último, não é possível esquecer da pior das proibições para todas as “moças direitas” de Curitiba, a qual todas nós nos impúnhamos, de passar pela Rua XV a pé, em frente ao Café Ouro Verde, onde os rapazes ficavam todos os fins de tarde. Por essa entre outras coisas, ali se oficializou a Boca Maldita, presidida por Anfrísio Siqueira, marido de minha professora de ballet no Curitibano, a Dona Teresa Siqueira, uma bonita argentina, do corpo de baile do Teatro Collon. A jovem que passasse por ali ficava “mal falada” como se dizia, uma vez que naquela esquina da Rua das Flores com Ermelino de Leão, todos os cavalheiros(?) comentavam sobre as moças e senhoras da cidade, exceto daquelas que mal saiam de casa sem a companhia do pai ou do marido. Até hoje, não passo por aquele lado da rua, porque a intervenção permaneceu.
Tempos difíceis para nós, as mocinhas de Curitiba. Mas repleto de romantismo!

*Leomar Marchesini é professora universitária, fundadora e gestora há 20 anos do Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais (SIANEE) do Centro Universitário Internacional Uninter. Formada em Psicologia, tem pós-graduação em Psicodrama Pedagógico e em Metodologias Inovadoras Aplicadas a Educação.
