segunda-feira, 20 outubro, 2025
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A casa inteligente e sustentável é feita de madeira high-tech

Por Adriana Brum – Se, em vez de semanas ou meses de tijolo por tijolo na construção de uma escola, fosse possível erguer paredes de madeira e cobrir tudo em poucos dias com a mesma segurança e resistência de um imóvel em alvenaria?

Para tornar esse “se” uma realidade, os setores da silvicultura e da indústria no Paraná se uniram, há 17 anos, iniciando o projeto de implantar no Brasil uma forma de construir: a seco, com paredes, vigas, colunas e pisos feitos em fábricas e montados como peças gigantes de Lego, uma proposta para o futuro.

E esse futuro chegou: hoje já se espalham pelo território nacional edificações sem tijolo e cimento, substituídos por peças de reflorestamento repaginadas pela inovação e beneficiadas em processos industriais, que asseguram sustentabilidade ambiental e redução de custos e tempo de construção.

Essa nova forma de construir, bastante comum no exterior, encontrou no Paraná o berço do desenvolvimento dessa nova cadeia da construção civil com a chamada “madeira estruturada”, em wood frame e mass timber (madeira engenheirada), que tem levado para todo o país casas, edifícios, salas de aula, hospitais, shoppings e até lojas do McDonalds com essa tecnologia.

“É o futuro da construção civil. O que estamos vendo hoje no mercado é o resultado do que está sendo estudado, projetado e testado a partir de em 2008, com a criação Comissão da Casa Inteligente, que reuniu instituições de vários setores para pesquisar, desenvolver, difundir e consolidar essa crescente cadeia produtiva”, conta o diretor executivo da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (Apre), Ailson Augusto Loper.

Vantagens

Construção de casa CLT Águia Florestal

Produzida em florestas plantadas e certificadas, essa madeira high-tech passa por processos industriais que entregam uma série de benefícios a quem constrói.

“O que a madeira engenheirada traz para o meio ambiente? O incentivo a florestas plantadas e certificadas, matéria privada renovável e que faz estoque de carbono”, destaca a diretora comercial da Urbem, Ana Belizário.

O Instituto Brasileiro de Árvores (Ibá) lista de vantagens: 50% mais rápidas do que as de alvenaria; 30% menos resíduos; 31% menos emissões de gases poluentes lançados na atmosfera; 80% menos consumo de energia.

Seu principal atributo é ser sustentável desde o plantio da árvore até a entrega da edificação, pela capacidade das árvores em sequestrar gás carbônico (CO2) da atmosfera durante a fotossíntese. Após o corte e beneficiamento da árvore, o que foi capturado continua “preso” no material.

A sustentabilidade também está nas florestas: o diretor florestal da Águia Florestal, Álvaro Scheffer Junior, explica que a capacidade de absorção do carbono em áreas de reflorestamento é maior a cada geração. “As novas árvores têm uma genética muito melhor, porque buscamos a melhora contínua da produtividade”, explica.

Há mais vantagens no uso da madeira: edificações mais leves, com maior conforto térmico e isolamento acústico. Acrescente-se, ainda,  ganhos arquitetônicos, como o benefício em bem estar de promover ambientes feitos um material natural e da versatilidade do para o design criativo de edificações com ângulos e curvas pouco prováveis em alvenaria.

“A madeira engenheirada tem altíssima performance técnica, durabilidade, estabilidade e beleza. Ela entra em harmonia com outros sistemas construtivos; trabalha muito bem com o concreto, com o aço”, fala Ana.

Entrega para todo o Brasil

Obras do Residencial Colinas do Norte em parceria da empre Tecverde com a COHAB. Foto: Daniel Castellano / SMCS

Entre os primeiros imóveis criados no Paraná está o primeiro edifício em wood frame, entregue em 2016, em São José dos Pinhais (PR), produzido pela Tecverde, empresa nascida em Araucária (PR) e que está em expansão, na nova fábrica em Ipeúna (SP).

Pela celeridade do sistema de construção indoor, a empresa foi responsável pelas 518 moradias, entre apartamentos e casas, enviadas a São Sebastião (SP) para tirar do desabrigo famílias vítimas do deslizamento de terra em 2024.

Do alto padrão…

Foi a versatilidade combinada à baixa quantia de entulho que convenceram o casal Carol Lui e Ricardo Cardoso a construírem com madeira engenheirada sua casa em uma área de florestas nativas em Campos do Jordão (SP).

“Eu queria fazer uma construção sustentável, fui apresentada pelo arquiteto Bruno Zaiiter ao wood frame e ao MLC [tipo de madeira engenheirada]. Fui até Curitiba atrás dele, que fez o projeto. As paredes da casa foram erguidas em dois dias, com apenas uma caçamba de entulho, porque tudo foi fabricado fora daqui e trazido para montar”, conta Carol.

A casa de 303 m² foi feito pela ImmerGrun, de Araucária, com a Rewood (SP). Depois, o casal contratou outra empresa que construiu, no mesmo terreno, a pousada Villa Langma, formada por quatro chalés em wood frame e madeira serrada, projetados para aproveitar o desnível do terreno e a vista— que juntos formam a pousada Villa Langma.

O mass timber tem sido muito usado em obras de alto padrão, “em especial aquelas em que o cliente quer fazer mostrar essa preocupação sustentável na arquitetura”, destaca o sócio proprietário da Immergrun, Leonardo Lenz.

O primeiro imóvel do Brasil com essa tecnologia tem justamente esse efeito: a loja-conceito da Dengo é respiro rústico em meio aos arranha-céus financeiros da Avenida Faria Lima, em São Paulo (SP). O imóvel tem quatro pavimentos em 1,5 mil m² construídos pela Urbem, fábrica em Almirante Tamandaré.

Em andamento, a Urbem está erguendo um shopping center de 7 mil m², em Atibaia (SP). Previsto para ser inaugurado no início de 2026, vai ser a maior obra em madeira engenheirada da América Latina.

…a programas habitacionais

Divulgação Águia Florestal

A mesma versatilidade também se aplica em moradias populares – como o Residencial Colinas do Norte, em Curitiba, onde parte dos 184 apartamentos feitos com wood frame pode ser comprada via Companhia de Habitação (Cohab) da cidade.

A habitação rural também entrou no radar das empresas. A Águia Florestal, de Ponta Grossa, decidiu há quatro anos ir além do cultivo e exportação de pinus e investiu em pesquisas para criar sua própria tecnologia construtiva nessa indústria verde.

O primeiro produto foi apresentado no Show Rural Coopavel 2025: uma casa de baixo custo feita em madeira que seria descartada. “Chegamos a uma casa de 60 m², confortável e de altíssima qualidade, com um valor comercial de R$150 mil, que pode facilmente atender populações vulneráveis”, conta o presidente da empresa, Álvaro Luiz Scheffer.

O uso da madeira na construção de moradias de baixa renda ganhou um impulso em abril deste ano, quando o Governo Federal incluiu os métodos construtivos industrializados aqueles subsidiados pelo programa Minha Casa, Minha Vida.

Vocação madeireira

Planetario reprodução AEN

A espécie mais utilizada no Brasil com esse fim é o pinus. Sendo um material macio, leve e recomendável até para marcenaria amadora, é reforçada no ambiente fabril, tornando-se um produto final homogêneo, resistente (a impactos, a peso, a variações térmicas e a pragas), durável e de produção em escala.

O Paraná concentra quase metade das florestas de pinus do país (42%, em 689,7 mil hectares), e um parque industrial madeireiro, em um ambiente propício para novos negócios.

Urbem, TecVerde e ImmerGrun, nascidas na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), e Águia Florestal, em Ponta Grossa, estão entre as primeiras “fábricas de casas” do país, desbravadoras na produção indoor de imóveis.

Elas são vanguarda em plantas industriais que entregam os imóveis prontos para montar no canteiro de obras, que incluem os recortes para receber para portas, janelas, fiação elétrica, tubulação hidráulica e o que mais for necessário.

“É um dos estados que mais planta florestas; domina há décadas a tecnologia da madeira. É natural que assumisse a liderança desse mercado que já se provou eficiente. O próximo passo é mudar a cultura da construção civil. As pessoas ainda têm aquela lógica da fábula dos três porquinhos, da madeira frágil e apenas o tijolo por tijolo, forte”, avalia o consultor especialista do Conselho da Madeira da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Patrick Reydams.

Carol Lui e Ricardo Cardoso. Foto: Aline Ferreira

Ele destaca que os poderes públicos podem contribuir com a popularização da construção a seco adotando a madeira estruturada nas obras públicas, aumentando a visibilidade do potencial desse sistema construtivo, e com incentivos para o mercado investir na tecnologia.

Em troca, os governos capitalizam no fomento da geração de empregos e renda e no avanço de metas ambientais, como a redução da emissão de gases poluentes. O governo do Paraná parece ter ouvido:  está investindo R$ 103 milhões na substituição de 504 salas de aula de madeira pelo wood frame.

Também está realizando grandes obras de madeira engenheirada, entre elas, o planetário do Parque da Ciência, em Pinhais, com 5,5 mil m² de área construída, que inclui uma cúpula de 18 m de diâmetro. Há, ainda,  a intenção de projetos para um hospital, um centro de eventos e uma sede do corpo de bombeiros.

“Nada mais lógico do que [fazer] um corpo de bombeiro provando que até quem combate o fogo tem um ambiente feito de madeira engenheirada. É simbólico para ajudar a criar a cultura dessa construção civil no Paraná”, declarou o governador do estado, Ratinho Junior.

Entre as ações para mudar a cultura da construção civil estão a normatização desse processo, na formação de mão de obra que conheça o material e na educação dos diferentes atores do mercado. “O construtor e o incorporador tradicionais não conhece os potenciais desse produto. Quando eles entendem o que a madeira estruturada tem a oferecer, a aceitação do cliente final é muito mais fácil”, diz Leonardo Lenz.

O que essa madeira tem?

A madeira não é nenhuma novidade na construção. Depois de altos e baixos, o material volta a esse cenário com tecnologia de ponta a ponta. Dois processos de beneficiamento e construção se destacam: o wood frame e a madeira engenheirada.

  • Wood Frame: esse sistema construtivo permite levantar prédios de até quatro pavimentos, com estruturas de madeira leve para paredes, piso e telhado. Cada peça é composta por painéis, vigas, colunas e placas de revestimento que formam uma “moldura” robusta e confiável, que suporta tanto o peso da própria edificação quanto cargas externas, como vento.
  • Madeira Engenheirada (Mass Timber) – Esse sistema de alto desempenho na fabricação de lajes, vigas, pilares, coberturas, paredes e treliças. a partir de camadas de madeira coladas sob alta pressão, por diferentes técnicas: colagem (MLC e CLT), laminação (LVL), laminação cavilhada (DLT), pregação (NLT), lascas paralelas (PSL) ou compensados estruturais (MPP). O resultado são peças de grande resistência e estabilidade, para construções de grande porte, em edificações de até 40 andares.
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