quarta-feira, 15 janeiro, 2025
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Conferência quer resgatar vocação democrática do PR

Por Marcus Gomes* – Não se limita ao Senado Federal a disposição de debater o ativismo judicial do STF, acompanhado de todos os seus spin-offs. Entre eles, o notório inquérito das fake news, que grassa sem conclusão desde 2019, e a decisão mais recente de negar aos advogados dos réus do 8 de janeiro o direito do uso da tribuna e da defesa oral, o que afronta princípio constitucional.

A polêmica envolvendo os excessos do Supremo estão chegando também às entidades ligadas à advocacia, insatisfeitas com os rumos tomados pela corte. Entre os dias 25 e 27 de outubro, a OAB Paraná realiza a sua conferência estadual em um evento que pretende debater o ativismo judicial, mas também resgatar as tintas de outra conferência memorável – a de 1978, de dimensão nacional, realizada no ocaso do regime militar, que viria a produzir a “Carta de Curitiba”, documento histórico e contributo importante na redemocratização do Brasil.

Na época, a capital paranaense foi a sede da VII Conferência Nacional de Advogados, tendo como eixo central a retomada do Estado de Direito, objetivo que parecia longínquo, apesar da “reabertura” – esse era o termo – anunciado por Ernesto Geisel, o quarto general a assumir a presidência do país, depois sucedido pelo também general João Baptista Figueiredo e pelo civil José Sarney, ambos eleitos em pleitos indiretos.

Nos preparativos da conferência, realizada no Teatro Guaíra, a OAB dividiu os participantes em grupos para debater temas julgados prementes como a anistia, o estado de sítio, a segurança nacional e a volta do habeas corpus. Presidiam os trabalhos, na ocasião, o então senador pernambucano Marco Maciel, que depois viria a ocupar a vice-presidência nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, o presidente nacional da OAB, Raymundo Faoro, autor da obra “Os Donos do Poder” e o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. que, em seu conhecido desassombro, reclamou o Estado de Direito no país.

Carta de Curitiba

Uma foto da conferência, aliás, foi emoldurada e ilustra uma das salas da presidência da OAB no Paraná. Pois esse evento de inspiração democrática que viria a ser encerrado com a leitura da “Declaração dos Advogados Brasileiros”, conhecida por “Carta de Curitiba”, promete se repetir nos próximos dias, a depender da advogada e procuradora municipal Marilena Winter, eleita em 2021 para um mandato de três anos, e primeira mulher a comandar a seccional do estado.

Para a realização da oitava edição da conferência estadual, Marilena quis repetir o modelo do evento de 1978, realizando reuniões prévias nos sete principais municípios do estado, precedidas, por sua vez, de cerca de 40 encontros promovidos nas macrorregiões.

Tudo para reeditar o espírito do histórico encontro realizado há 45 anos e marcado por debates amplos e diversidade de opiniões. “Repetiremos desta vez a ideia de amplificar o eixo de discussão para todos os grupos e produzir, assim, um único documento”, diz Marilena. Confira a entrevista na íntegra

Os encontros prévios promovidos nos meses de agosto e setembro produziram, segundo ela, um total de 1.000 opiniões catalogadas, a maioria delas abordando temas caros à advocacia que, coincidência ou não, confrontam decisões do STF.

No mês passado o Conselho Federal da OAB e as seccionais da entidade (inclusive a do Paraná) reagiram duramente à decisão do Supremo de cercear a sustentação oral em julgamento na corte, após advogado de réu dos ataques do 8 de janeiro afirmar, em audiência, que os ministros eram “as pessoas mais odiadas do país”.

A declaração fez com que o relator do julgamento Alexandre de Moraes, determinasse, com a concordância da então presidente do STF, Rosa Weber, a transferência das audiências para o plenário virtual e a realização da defesa em vídeo gravado, o que fere direito constitucional do acusado ao contraditório e à ampla defesa.

Estigma injusto

Afora essa reação, há também um descontentamento manifesto entre advogados da seccional do estado com o estigma de Curitiba como “capital da direita no país”, que também pode ter raízes fincadas no Supremo. Principalmente em uma declaração do ministro Gilmar Mendes que disse que a capital paranaense “gerou Bolsonaro” e “tem o germe do fascismo” – Mendes depois pediu desculpas e disse que se referia à “República de Curitiba”.  A afirmação desastrada, entretanto, obscurece iniciativas pioneiras de luta pela democracia que marcaram a história da cidade, como a conferência de 1978 e o comício pelas “diretas já”, em 1984, que reuniu 40 mil pessoas na Boca Maldita, e marcou o pontapé inicial do movimento.

Diretor-tesoureiro da OAB-PR, o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira diz que é preciso lembrar que a capital que recebe esse epíteto é a mesma que ouviu o advogado Eduardo Rocha Virmond, hoje com 94 anos, ler a “Carta de Curitiba” e reclamar o “Estado de Direito como a única ordem que pode proporcionar as condições indispensáveis à existência da democracia” (veja fac-símile da capa de Folha de S. Paulo à época).

De acordo com Pereira, muito desse espírito estará presente na 8ª edição Conferência da Advocacia Paranaense. “Vamos estimular o debate no estilo cronômetro de xadrez. Cada membro do grupo de discussão terá tempo para falar e os temas serão amplos”.

O evento será realizado no UP Experience da Univesidade Positivo (Rua Prof. Viriato Parigot de Souza, 5300). A expectativa da organização é reunir 1.200 participantes no auditório e 15 mil no modo virtual. Entre os convidados da conferência estão o ministro do STF, Edson Fachin, o professor de direito da FGV-SP, Oscar Vilhena, autor do livro “A Batalha dos Poderes”, e criador do termo “supremocracia”, o colunista da Folha e professor de direito constitucional da USP, Conrado Hubner, além do secretário nacional da Justiça, Augusto Botelho, que pode substituir Flávio Dino no Ministério da Justiça, caso ele seja indicado para o STF. Mais informações sobre a conferência no site www.conferencia.oabpr.org.br.

*Jornalista, advogado e editor da revista jurídica Bonijuris.

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