quarta-feira, 15 janeiro, 2025
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Festival: Atemporal e cirúrgico, O Bem Amado ganha adornos musicais

Por André Nunes

Dias Gomes (1922-1999) foi um dos maiores escritores e dramaturgos brasileiros. Conhecido pelas obras televisivas, como Saramandaia e Roque Santeiro, foi no teatro onde legou sua maior contribuição cultural. Com texto infelizmente atemporal, mesmo tendo se passado décadas, o autor criticava cirurgicamente as políticas, costumes e os poderosos que garantem o atraso da população há séculos em nosso país.

Foto: Humberto Araujo

Tudo isso visto em microcosmos como a Salvador de Zé do Burro, de O Pagador de Promessas; a Asa Branca com seu falso santo popular, de Roque Santeiro; e a Sucupira de Odorico Paraguaçu, um de seus mais emblemáticos personagens. Na montagem do diretor Ricardo Grasson (que estreou em São Paulo, no centenário de Dias Gomes), O Bem Amado Musicado chega aos palcos com canções inéditas compostas por Zeca Baleiro.

Foto: Humberto Araujo

O espetáculo foi encenado nesta segunda (3) no Guairão, dentro da Mostra Lucia Camargo. A segunda sessão será nesta terça (4), igualmente com ingressos esgotados. Em cena, o elenco encabeçado pelo carismático Cassio Scapin dá vida aos tipos humanos de Sucupira: o coronel/prefeito, o padre, o jornalista, o preguiçoso, as irmãs solteironas e os populares.

No segundo ato, temos uma adição que rouba a cena: Zeca Diabo (Marco França), o matador que “põe medo em Lampião”, trazido para a cidade por Odorico, que anseia há três anos por um cadáver em sua cidade, para justificar a custosa construção do cemitério municipal – promessa de campanha que o elegeu.

Foto: Humberto Araujo

A necropolítica escancarada e divertida de O Bem Amado, escrita em 1962, não precisou de nenhuma atualização, segundo contam Grasson e Scapin, em coletiva de imprensa. “As pessoas ficaram marcadas pela novela de 1973, com Paulo Gracindo, e chegam a pensar que adaptamos a novela ao teatro. Mas é o contrário, O Bem Amado surgiu primeiro no teatro”.

Foto: Humberto Araujo

As relações entre o executivo da municipalidade, o judiciário, a igreja e a imprensa arrancam risadas do público, ao mesmo tempo em que fazem refletir sobre esses “podres poderes” que atrasam o desenvolvimento social de nosso povo nas grandes e pequenas cidades.

Como cantou Caetano, “será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos”. Até quando cairemos na lábia de políticos que prometem ser sérios em troca de cemitérios?

Foto: André Nunes

PS: Quem foi criança nos anos 90 deve parte fundamental de sua formação cultural ao Castelo Rá Tim Bum. Que privilégio ter crescido assistindo Nino e seus amigos na TV Cultura! Poder encontrar Cássio Scapin depois de adulto, com toda sua generosidade como ator, é quase um fecho de um ciclo virtuoso. Afinal, uma das maiores missões da arte e do teatro é a formação de público, desde a infância.

Cassio Scapin, o eterno Nino. Foto: Annelize Tozetto
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