terça-feira, 16 setembro, 2025
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Onde a pesquisa não chega

Por Gedeval Cruz Oliveira, nordestino, educador físico, em Curitiba.

Colaborou Luiz Renato Ribas, jornalista

Visitar minha família no interior do Nordeste é sempre uma história a parte. O contraste cultural, de hábitos cotidianos e modo de encarar a vida, escancara o tamanho continental do nosso “brasilzão”.

A viagem é bem longa, viagem até Salvador se for de avião, mais 4 horas de estrada. Se for de ônibus são dois dias e duas noites, indo até São Paulo e de lá indo para Ipirá na Bahia. Trecho longo e inusitado. Geralmente quando entramos no estado da Bahia e vamos se aproximando da cidade, antigamente pelo menos, o ônibus virava uma espécie de coletivo metropolitano, com pessoas entrando e descendo nas cidades seguintes, muitas vezes indo em pé por falta de assento e trazendo desde saco de farinha à galinhas, chegando até a levarem uma ovelha em uma das viagens que fiz quando era menor.

A cidade é dividida em vários povoados, tem cerca de 60 mil habitantes e deixou de ser pequena. Os povoados são bem peculiares, alguns são lineares na rodovia, outros são comunidades mais afastada, e alguns são apenas “roça” como chamam lá, que são vários sítios, fazendas distantes, uma das outras, que grande parte vive da pesca, agricultura e pecuária familiar.

Minha família de origem materna vive na “roça”, um povoado bem pequeno chamado Lagoa do Trapiá. A casa da minha vó é feita de barro e gravetos, antigamente usávamos candieiro a noite, mas chegou luz elétrica há algum tempo. A água que bebemos vem de açudes, tanques, inclusive a água do banho, que geralmente tomamos em um lajedo. Recentemente até foi feito um banheiro, mas que é bem pouco usado. Falando em água, as vezes passa-se três anos sem chuvas que encham rios e tanques, e a vegetação que já é seca, fica cinzenta da poeira do solo que sobe.

Coisas corriqueiras como tomar uma coca, comer uma batata rufles não é tarefa tão simples lá. Não tem comércio próximo além de bares, e apenas uma mercearia, o detalhe é que nenhum deles tem produtos de marcas mais famosas, apenas de marcas de lá. O que leva há um trajeto de 24 km até a cidade para poder comprar coisas do tipo.

O transporte até a cidade há pouco tempo atrás era realizado ainda com caminhões “pau-de-arara”, onde íamos sentados em tábuas entre ovelhas e galinhas que eram levadas para ser trocadas e vendidas na feira que ocorre toda quarta-feira. Hoje existem duas vans que passam as 6 da manhã e retornam as 18 geralmente.

Algo muito curioso é a época de eleição lá, leva parte da cidade a comícios e a uma rivalidade parecida com times de futebol. A polarização que tomou conta do país nos últimos anos, lá já é presente há mais tempo, só foi realçada nas últimas eleições. Tenho tias, primos que volta e meia estão em casa com camisa de campanhas passadas, estampadas com o número, bordões e foto do candidato em especial. Lá se dividem em Jacu e Macaco, não sei dizer ao certo quem defende o que, quais são os partidos, mas existem esses dois lados, representado nos dois animais.

Lá é a política da proximidade. Só se elege se você anda nas ruas, fala com a população e está sempre movendo algum evento para a cidade. Meu falecido padrinho sempre foi próximo de secretários, assessores, entre outros. Teve uma época que ele criava perus, e vendeu 200 para serem retirados depois para um candidato. Todo dia aparecia pessoas diferentes indo buscar, era a maneira que ele encontrou de comprar os votos ali. E não é só dessa forma, é por vale combustível, adesivos em carro em troca de combustível, caixa de cerveja e por aí vai. Até parece absurdo, mas só muda a roupagem. Nas capitais vemos pessoas ganhando dinheiro divulgando candidatos em redes sociais e no WhatsApp em troca de dinheiro.

Minha família sempre foi eleitora do Lula em sua grande parte, mas nessa última visita que fiz o cenário mudou. Grande parte hoje é eleitora do Bolsonaro. Questionei minha tia sobre isso, geralmente é a pessoa mais fervorosa a falar, e comentou que o auxílio do governo federal e que fatores como um caminhão pipa que leva água lá uma vez por semana já é um diferencial e tanto, e que antes não era feito. Quando vamos pra cidade, aí a coisa muda o eleitorado maior é do Lula, tendo em vista que o governo lá é de Rui Costa do PT.

Acredito que independente de quem se eleja, o que eles esperam é o mesmo, um olhar com carinho pro povo do sertão, que já sofre muito com as escassezes que o clima proporciona. Politicas publicas rápidas, eficazes e funcionais que levem fonte de renda e água até lá, não obras faraônicas que levam anos para ser terminadas e servem como escoamento de dinheiro público, em vez de levar água nas torneiras de quem precisa.

A simplicidade é a maior riqueza que minha família e aquela terra têm. Isso tem um valor imensurável.

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