sábado, 15 novembro, 2025
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Curitiba abre filial da melhor escola de panificação do mundo

O pão nosso de cada dia

Por Eloi Zanetti

Como a maioria dos imigrantes que vieram “fazer a América”, Gerges Berbara (Jorge Barbosa) desembarcou em 1891 em Paranaguá literalmente com uma mão na frente e outra atrás. Oriundo do Vale Bekaa (Libano) – principal corredor por onde passaram durante séculos as caravanas de comerciantes, cruzados e guerreiros otomanos. Sendo um dos primeiros libaneses a desembarcar no Paraná e não encontrando ninguém da sua religião – ortodoxa grega – optou pelo cristianismo católico.

Sem capital para iniciar qualquer negócio, ficava no porto recolhendo dos navios, especialmente dos argentinos, o que não era vendido aos comerciantes locais. Recolhia sacos de cebola e alho, embarcava-os em uma canoa e ia fazer escambo com os indígenas nas ilhas. Para tanto teve que ensiná-los a comer cebola crua com azeite, sal, limão rosa e farinha de mandioca. A mistura, altamente nutritiva e saborosa, caiu no gosto dos indígenas que lhe davam em troca peixes que revendia na cidade. Com o tempo amealhou uma boa poupança e logo abriu uma loja de secos e molhados.

O trigo e a visão de grande um empreendedor

Capitalizado, começou a trabalhar com importação de farinha de trigo, pois ainda não existiam moinhos no Paraná (o primeiro foi o do Matarazzo em Antonina). Uma das suas filhas, Maria, casou-se com (Nuhle) Nicolau Pedro, de Antonina e também ligado ao comércio de farinha.  Nicolau, outro libanês de iniciativa, começou a se interessar pelo negócio de trigo e por volta de 1920 percebendo o início da industrialização do Brasil veio à Curitiba a fim de expandir seus negócios. Comprou uma grande área no Bacacheri em frente à Base Aérea e montou o Moinho Curitibano, hoje desativado.

Na época, teve que ir ao Rio de Janeiro pedir licença ao Ministro da Aeronáutica para poder montar sua fábrica em frente ao quartel. Para capitalizar o investimento, arregimentou mais de 120 padeiros para serem sócios, mais tarde comprou a participação desses ficando sozinho no negócio. Precisando de tijolos para construir o moinho, montou uma olaria na atual Av. Paraná, e esta passou também a ser um dos seus múltiplos negócios. O Moinho Curitibano foi inaugurado no pós-guerra (1946) quando a carência de alimentos era imensa. Tudo que se fazia vendia.

Uma nova geração assume os negócios

Com o falecimento do Sr. Nicolau aos 60 anos, os negócios passaram para os filhos (1963/1982). Entra também na empresa seu neto, o Eduardo Feliz, que se dedicou mais a produção de macarrão e biscoitos. Ao acabar com o chamado cartel do trigo, o Governo Collor deixa o mercado livre e muitos moinhos foram fechados ou incorporados, entre eles o Moinho Curitibano. Em 1990 Eduardo sai da sociedade para montar com seus irmãos e o cunhado Celso Freire o Restaurante Boulevard que reinou durante muitos anos como um dos melhores restaurantes do Brasil. Ele também se associa à Granotec – empresa líder na tecnologia do trigo, há pouco tempo vendida a um grupo americano. 

Uma família dedicada ao trigo  e à farinha         

Seu filho, Eduardo Freire Feliz, interessado no processamento de farinha, foi para a Califórnia fazer o melhor curso de panificação do mundo – San Francisco Baking Institute – focada em cursos de panificação e pasticeria. De volta ao Brasil associou-se ao Lucca Café unindo sua especialidade em panificação com uma das melhores baristas do Brasil. Neste interim, o Eduardo, pai, já havia se associado ao moageiro Marcelo Vosnika (Moinho Irati) para produzir farinha com certificado de origem.

Pão e café se unem e trazem para Curitiba a filial da San Francisco Baking School

O fundador da San Francisco Baking School, Michel Suas, ao visitar seu aluno Eduardo Freire, ficou entusiasmado em verificar que em Curitiba havia mercado para um empreendimento semelhante, sendo que aqui já coexistiam a panificação e o café. A primeira na forma da farinha de alta qualidade fornecida pelo Moinho Irati e o café na expertise de uma das melhores profissionais no assunto, a Geórgia de Sá Barreto Franco de Souza, proprietária do Lucca Café. Michel Suas, Marcelo Vosnika e Eduardo Freire Feliz montaram a Escola San Francisco Baking Institute – SFBI na Rua Presidente Taunay, 70 ao lado do Lucca Café. A escola é mundialmente conhecida por amantes e especialistas da área que desejam aprender as melhores técnicas e procedimentos para preservar a essência e a memória da panificação artesanal. A de Curitiba é a primeira fora dos Estados Unidos.

Pesquisa e generosidade mudam o pão no mundo

Michel trabalhava em um restaurante e nas horas vagas pesquisava novas maneiras de se fazer pão – adaptando as antigas técnicas europeias de fermentação natural com os microrganismos locais – Norte dos Estados Unidos e Canadá. Aos poucos foi aprimorando sua técnica e mudou a maneira de se fazer pão no mundo. Tem três livros publicados e um deles, direcionado a estudantes, profissionais e entusiastas, Panificação e Viennoiserie, de 600 páginas, é considerado a bíblia da panificação.

Como a conversa voltou à cozinha – fazer pão em casa virou moda

Uma das mudanças de comportamento urbano mais curiosa dos últimos tempos foi o surgimento do interesse, principalmente dos homens, pelos assuntos da arte culinária. De uma hora para outra surgiram centenas de livros, revistas e programas de TV sobre os assuntos da boa mesa. Lojas especializadas com produtos e iguarias importadas apareceram quase que do nada. Existem até espaços chamados de gourmeteria em condomínios de luxo.

Cozinha em conceito aberto

Nas décadas de 70/80 os apartamentos compunham-se de dormitórios, salas de estar e refeição, pequena cozinha, lavanderia e quarto de empregada. Com o tempo a  cozinha foi incorporada à sala de jantar, ampliando-se o espaço. É a tal da cozinha em conceito aberto. Os designers de ambiente não perderam tempo e logo apresentaram ao mercado cozinhas mais bonitas, decoradas e equipadas.

E a conversa voltou ao pé do fogo

Como nas famílias de antigamente, a conversa voltou para o pé do fogão. A nova cozinha estava preparada para isso, mas, e os donos da casa? Bem, para preparar esses cozinheiros ao novo estilo de vida, criaram-se sofisticados cursos de culinária, novos equipamentos, panelas chiques, e ressuscitou-se o uso dos antigos condimentos e especiarias. O que hoje parece corriqueiro nasceu lá atrás, quando se mexeu no espaço das habitações.

E, enquanto o novo chef prepara alguma coisa, belisca-se, bebe-se e joga-se conversa fora. Quer atividade mais prazerosa?

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