
Apesar do avanço evangélico no Brasil, a eleição para presidente dificilmente ficará distante do catolicismo. Lula e Bolsonaro se declaram católicos, embora o presidente centre sua pregação no voto pentecostal e neopentecostal
Por Aroldo Murá G. Haygert, jornalista, autor da coleção de livros “Vozes do Paraná – Retratos de Paranaenses”, que lançará em breve o volume 13.
O estudo do fenômeno religioso enriquece o curriculum de cientistas sociais que procuram entender o xadrez e as indagações do universo da religião no país. Hoje a tendência da mídia e de bom número de sociólogos/antropólogos é dar como favas contadas, para daqui a duas décadas (se tanto), da predominância das correntes evangélicas, pentecostais ou neo, no Brasil.
A Igreja Católica, uma exemplar organização montada sob o totem da autoridade episcopal até o Papa, terá deixado de ser majoritária. Mas ninguém poderá retirar da História a verdade de que o país nasceu com ela. Com bondades e mazelas, como a de ter escravos em seus conventos, inclusive em franciscanos…
Na minha opinião, a Igreja Romana teve ao longo desses 500 anos déficits e perdas, também enormes contribuições à nação: no frigir dos ovos, os ativos legados são muitos, especialmente na Educação.
Claro que é preciso entender a Igreja Católica no Brasil em seus marcos históricos.
Por exemplo: lá pelos meados do século XIX, o Papa promoveu a chamada “romanização” do catolicismo brasileiro que marchava, a passos largos, para o chamado “galicanismo religioso”. Traduzindo: Feijó e outros tendiam a promover um cisma, criando uma igreja nacional. Como aconteceu com Henrique VIII na Inglaterra. Os seminários que formam padres, foram os primeiros contemplados pela romanização. Da França vieram para o Brasil os padres vicentinos (Congregação da Missão, ou Lazaristas). O Seminário São José, de Curitiba, formou fortes lideranças pelas mãos francesas, como o arcebispo emérito dom Pedro Fedalto, 96 anos.

Mas a Igreja Chamada de Brasileira (ICAB) foi criadas nos anos 1940 por um bispo romano, Dom Carlos Duarte, que atuava em Botucatu. O bispo teve o título “histórico” de Bispo de Maura, uma das sés apostólica extintas com que Roma contempla seus bispos, os por ela desligados, ou os que simplesmente estão aposentados. Cada um, nessas situações, passa a ser citado e assina como “titular” de um desses bispados extintos, na prática. São centenas.
A perda da maioria católica não é de se duvidar. Mas é preciso refinar esse raciocínio, vendo, por exemplo, que demógrafos já exibem “levantamentos” em que os chamados “desigrejados evangélicos” andariam pelos milhões de membros. Isso quer dizer: acreditam ainda na pregação pentecostal e neo (isso sem falar nos protestantes históricos) mas se desligaram das igrejas institucionais, não seguem pastores, não pagam dízimos, não são cordeiros no seguir a lideranças políticas que pregam o quase mantra – “irmão vota em irmão”.
Na prática os desigrejados são mais ou menos como os católicos “não praticantes”, uma expressão que pouco se autoexplica.
Diante dessa nova configuração político-religiosa, o que se observa é que teremos surpresa nas eleições de outubro. E surpresa no estado que hoje concentra maioria evangélica, o Rio de Janeiro. Lá o atual governador Cláudio Castro, que ganhou expressão como cantor do gospel católico, vai aparecendo muito bem nas pesquisas de opinião. Tem o apoio da família Bolsonaro e, pelo menos, a simpatia de fatia católica do Estado do Rio. Já o evangélico Garotinho, muitas vezes apontado (com Rosinha) pela Justiça por supostos malfeitos com dinheiro publico, não está mostrando vigor eleitoral. Está lá em baixo nas avaliações.
Já no Estado de São Paulo, o católico convicto Tarcísio de Freitas (o nome é de um santo angelical católico) não vai muito bem nas pesquisas. Nelas, o ex-prefeito Haddad, do PT de São Paulo, vai liderando as avaliações de votos futuros. Ele se orgulha de ser neto de um padre ortodoxo libanês um dia emigrado para o Brasil.
No Paraná, o que se sabe é que Ratinho Junior, que tenta a reeleição, foi de criação católica, a esposa é ligada às Testemunhas de Jeová. Mas o governador, dono de um bom perfil eleitoral, confessa-se, quando perguntado, ser cristão. E basta.

No universo pentecostal não me passa sem chamar atenção a existência de duas Convenções nacionais de Igrejas Assembleia de Deus. Cada uma delas com lideranças bem definidas. E importância está sempre avaliada. A conferir o poder que mostrarão nas urnas. Até porque, segundo acadêmicos não mesmerizado pelo fenômeno evangélico, acham que o mundo dos crentes não terá muito mais espaço para crescer. Isto porque a Igreja Católica foi tratando de recuperar o tempo perdido, usando, para tanto, das mesmas armas do universo pentecostal. São exemplos, o padre Marcelo Rossi e a Renovação Carismática Católica, em cujas celebrações repetem-se muitos gestuais comuns nas assembleias de Deus e do chamado protestantismo renovado.
Na Presidência da República parece que não teremos surpresa: o escolhido deverá “fatalmente”, ficar entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Curiosamente, os dois se apresentam como católicos. Embora o presidente atual tenha no mundo evangélico seu grande centro de votos. Lula, não se pode esquecer, criou o PT com lideranças católicas do ABC paulista, como frei Beto. Seu cordão protetor incluiu as comunidades eclesiais de base. A base católica sempre foi forte com Lula, a começar pelo paranaense Gilberto Carvalho. E o mais expressivo deles dentro da rede internacional do catolicismo, o cardeal dom Cláudio Hummes, em cuja igreja, em Santo André, realizaram-se os atos fundadores do PT.
Dom Cláudio, a partir dali, manteve-se discretamente “apolítico”. Hoje é um amigo pessoal do Papa Francisco e vive no Vaticano como um dos mais discretos e eficientes apoiadores das reformas que pontífice tentar fazer na duas vezes milenar estrutura da Igreja Católica Romana.
Trata-se de uma corporação que envolve bilhões de pessoas – direta ou indiretamente -, e que hoje não mais tem o poder de decisão resumido na definição/ordem: “Roma Locuta, Causa Finita”. Quer dizer: “Roma Falou, Está Falado”. Os dias da cristandade católica passaram e Francisco sabe que nada mais dificulta o caminhar de sua renovação senão uma tradição que impede o crescimento espiritual e numérico de seu rebanho.
