quinta-feira, 16 outubro, 2025
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Bolsonaro, o católico que rompeu com dogmas dos Evangélicos em Aparecida

(Foto: Thiago Leon/Santuário Nacional de Aparecida)

Entre vaias e aplausos, o presidente da República foi a Aparecida, e leu a consagração do Brasil à santa negra. Portanto, um pecado à luz dos ensinamentos dos pentecostais e protestantes em geral. Receberá reprimenda de seus gurus, como Silas Malafaia?

 

Para mim não foi surpresa a homilia do arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, na missa que antecedeu àquela em que o presidente Jair Bolsonaro assistiu – ontem, 12, Dia de Aparecida – no Santuário Nacional. Mais do que se fazer presente, Bolsonaro fez uma das duas leituras da missa, função quase sempre entregue aos fieis. Tirou a máscara para a leitura, até porque leitura com máscara não gera entendimento nenhum. E depois, participou da consagração do país a Aparecida. Dom Orlando, que foi arcebispo de Joinville, tem características fortes, me lembra, com seus gestos,marcas da etnia germânica. Uma delas, a de ser direto, às vezes podendo parecer grosseiro, em suas prédicas.

Ontem, Brandes não foi diferente, só que agiu “politicamente”: na missa que precedeu àquela que teve a participação do presidente da República, mandou recado diretíssimo ao primeiro presidente que participaria de uma celebração no Dia da padroeira do Brasil em seu Santuário. Disse que “pátria amada não é pátria armada”. E sacramentou outras diretas/indiretas à personagem principal que, minutos depois, seria a mais importante presença no local.

A seguir, na missa oficial do 12 de Outubro, já com Bolsonaro presente, dom Brandes tocou em temas que estão na agenda do país, são preocupações da Nação – a pandemia, a inflação, emprego… Mas foi, digamos, menos contundente.

Bolsonaro não ouviu a direta mais forte – “pátria amada não é pátria armada, que o arcebispo reservara para a missa anterior. Saudado em sua chegada por multidão de admiradores, e igual multidão de opositores, Bolsonaro foi “toureando” vaias e aplausos, sob a proteção de esquema de segurança da PM paulista.

(Foto: Thiago Leon/Santuário Nacional de Aparecida)

BOLSONARO, O CATÓLICO QUE ROMPEU (2)

Minha breve abordagem vai além do noticiário em si, fartamente apresentado pela mídia de todo o país, como merece um evento de tal porte. Foi ato de ressonância maior por que teve a presença do chefe de um governo fortemente “alfinetado” pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). E ele participou ativamente da liturgia religiosa.

Entre as perguntas que sobressaem da presença de Bolsonaro em Aparecida, algumas geram indagações impertinentes. Por exemplo: como o presidente se “explicará” aos comandantes de seu núcleo maior de apoiadores – os líderes evangélico? Um dos explícitos gurus de Bolsonaro é o pastor Silas Malafaia, comandante supremo de uma das assembléias de Deus, a Amor em Cristo.

Conhecido como aguerrido defensor de sua influência no Governo, e por ter audiência constante de Bolsonaro, Malafaia terá dificuldades de explicar ao mundo pentecostal (e protestante em geral), como o preferido dos evangélicos vai ao território de Aparecida, faz consagração à santa negra e expõe-se aos ritos católicos plenamente? Afinal, para os evangélicos, Aparecida e os santos católicos seriam pura idolatria. Não adianta explicar-lhes que santos são heróis da fé, que não são adorados, etc.

Não é preciso ser teólogo, nem conhecedor de Antropologia Cultural para saber que a mãe de Jesus – Nossa Senhora, para boa parte dos cristãos – é uma espécie de divisor de águas. Ninguém pode ser evangélico prestando veneração a Maria, seja qual for o nome com que é conhecida em diversas partes do mundo. A biografia de Bolsonaro no universo das crenças religiosas é enigmática: de família de origem italiana, do interior de São Paulo, foi criado no catolicismo. Ele mesmo se diz católico, quando perguntado.

No entanto, esse ser de enorme acuidade para as esferas populares, é, na verdade, um híbrido exemplar. Antes de ser presidente, foi batizado nas águas do Rio Jordão, por um pastor-político, ex-dono do PSC – hoje indiciado pela PF por maracutaias federais. Em casa, Bolsonaro convive com a terceira esposa, Michelle, uma evangélica consagrada. Os filhos todos se proclamam evangélicos, com exceção do 04, Jair Renan, um jovem festeiro que não tem essas preocupações com o transcendental.

De qualquer maneira, o presidente deu mais uma lição de quão antenado populista ele é, ao flexionar-se “aos domínios” de Aparecida. E parte importante da Igreja, representada por dom Orlando Brandes, continua com sua milenar capacidade de sobreviver e superar-se diante de Governos menos amigos. Essa foi um lição que Roma aprendeu desde Constantino, quando conseguiu oficializar-se como religião do Império, arcando com enormes perdas de substância, como a História mostra.

(AMGH)

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