quinta-feira, 26 dezembro, 2024
HomeMemorialUm debate opaco, sem novidades, patrocinado pela CNBB

Um debate opaco, sem novidades, patrocinado pela CNBB

Rodolpho Gamberini
Rodolpho Gamberini

Muito por dever de ofício, como jornalista pesquisador do fenômeno religioso há pelo menos 45 anos, assisti pela TV Canção Nova e TV Aparecida, ao debate do qual participaram os candidatos a Presidente da República, promovido pela CNBB, na noite de terça, 16.

Nada mais engessado do que esse debate, o que mais ou menos acontece em quase todos nesse período eleitoral: os candidatos “que contam” – Marina, Dilma e Aécio – não tiveram oportunidade verdadeira de confrontos. As perguntas, as réplicas e as tréplicas, em limitados 1,30 minutos – ou dois minutos, no máximo -, não ajudaram a esquentar no debate.

2 – SURPRESA FORAM NANICOS

Cardeal Raymundo Damasceno
Cardeal Raymundo Damasceno

A mim não me surpreenderam os três notáveis – Aécio, Dilma e Marina -, donos de velhas canchas políticas, acostumados a refregas, confrontos, discursos, promessas, exibição de conhecimentos estatísticos e realidades econômicas.

O surpreendente: em certos momentos, os nanicos Eymael e Fidelix cresceram.

No caso de Fidelix, a surpresa ficou por conta de uma certa facilidade com que examinou temas macroeconômicos, seus preferidos, como mesmo ressaltou.

Não disse bobagem, andou nos conformes, mostrou visão crítica da realidade nacional. Tem experiência legislativa.

Já Eymael não fugiu às tradições oratórias gaúchas: sugere ser um bom orador. Foi capaz até de empolgar em segundos, quando, valorizando o tema educação, se disse beneficiado – pobre que foi – por bolsa de estudos da Prefeitura de Porto Alegre para estudar e formar-se na universidade.

3 – LUCIANA GENRO

Dilma Rousseff
Dilma Rousseff

Dos nanicos – embora raramente concorde com suas teses – o nome mais bem equipado no debate foi o de Luciana Genro (PSOL), que vem de forte tradição política familiar (o pai é Tarso Genro) e ela mesmo foi deputada federal muito atuante, nos tempos em que estava no PT.

Luciana não se escondeu: confessou-se sem crença religiosa, defendeu o uso da maconha indiscriminadamente, assim como a descriminalização do aborto.

Sem falar que chegou a erguer o tom ao defender a união civil de homossexuais. Defensora acendrada do chamado estado laico – que não admite qualquer influência das religiões -, a candidata do PSOL descerrou velhas teses da esquerda mais empedernida para expor suas crenças; mas com muita segurança, embora – repito – exista entre minhas opiniões e as dela um oceano nos separe.

4 – EVERALDO E MAIORIDADE

Marina Silva
Marina Silva

O pastor Everaldo não é um grosseirão, como geralmente o classificam seus opositores.

O ex-favelado estudou, passou pela universidade, embora só isso não baste, mesmo porque há cursos universitários e cursos universitários que são verdadeiras fábricas de diplomas.

De qualquer forma, está longe de ser o “grosseirão”. Acho que ele se encaixa, em alguns lances, com aqueles portadores de mensagens messiânicas, salvadoras.

Todas as teses conservadoras couberam nas expressões de Everaldo, mas o que me chocou foi a forma como ele se mostrou – simplesmente -, sem maiores questionamentos, a favor da redução da menor idade penal.

Para ele, o menor infrator deve ter chance, “apenas se tiver cometido delito não grave”. E o bom senso indica que um menor delinquente deve ter grandes chances de recuperação e não simplesmente ser trancafiado em penitenciárias ao lado de criminosos profissionais.

Eu observo: até me é palatável a ideia de diminuição da maioridade penal, tal como propõe, por exemplo, Aécio Neves. Mas ao menor devem ser ofertadas elásticas oportunidades de regeneração. O que não acontecerá certamente em instituições como a Fundação Lar, de São Paulo.

5 – CASAMENTO GAY

Aécio Neves
Aécio Neves

Os temas polêmicos apareceram especialmente em perguntas de jornalistas de emissoras de televisão e rádios católicos. Um deles quis saber de Aécio sobre como encararia a questão do casamento de homossexuais. O candidato do PSDB se saiu bem: disse que o assunto é tema para o legislativo. Mas que as uniões homo afetivas, recordou, “estão definidas por decisão do Supremo, que as admite”.

6 – DILMA NA RODA

As perguntas foram feitas, no começo, por 8 bispos indicados pela CNBB. Os prelados representavam algumas regiões do país. Mas entre os bispos, houve também dirigentes da CNBB, a patrocinadora do debate.

Foi o caso de dom Steiner, secretário-geral.

Noutros blocos, as perguntas ficaram a cargo de jornalistas da mídia católica, tendo aparecido o representante da Rede Evangelizar de Curitiba, Luiz Mello.

A maioria das perguntas acabou quase sempre embutindo críticas ao Governo Federal. A presidente Dilma, a responder a indagações que lhe foram encaminhadas, saiu-se bem em certos momentos. Como aquele em que defendeu, por exemplo, uma de suas propostas mais constantes, a de – num eventual segundo governo – criar um programa de especialidades médicas para a rede SUS.

Não sei como a presidente reagiu, não era sua vez de falar: um dos momentos mais críticos ao Governo Federal foi assumido pelo nanico Eduardo Jorge, um confesso marxista, médico de formação.

Ele não poupou Dilma com relação à demarcação de reservas indígenas: “Na mesa de Dilma há 30 processos prontos para que se estabeleçam novas reservas indígenas”. E garantiu Eduardo Jorge que nos quatro anos de Dilma foi assinada apenas uma regulamentação.

Eduardo Jorge tratou, dessa forma, de um tema muito caro à CNBB, o das demarcações de terras indígenas, de que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) é o grande pregoeiro.

7 – NADA DE NOVO

Por fim, posso garantir que o Debate da CNBB, muito bem produzido, comandado pelo apresentador Rodolpho Gamberini, foi especialmente “disciplinado”. Como convém a um ambiente eclesiástico.

Mas foi também opaco, não apresentando novidades nem ensejando algum momento surpreendente como, por exemplo, algum escorregão dos candidatos.

As pequenas quedas não passaram disso, quase sempre retificações de erros de linguagem. Aliás, nesse capítulo, o uso do bom português pelo cardeal Raymundo Damasceno, ficou como modelo que bem pode ser seguindo pelos senhores e senhoras da política.

Leia Também

Leia Também