Antenor Demeterco Jr. (*)

O criminologista americano R.S. Rose confessa não ser historiador, mas substituiu a omissão dos nossos ao trazer à luz o real papel do policial-mor na ditadura de Getúlio Vargas, ou seja, o de Filinto Müller (1910-1973).
Quando o assunto é tortura no Brasil, a fuzilaria atinge exclusivamente os governos militares de 1964 em diante e esquece do nosso simpaticíssimo ditador, lembrado como o maior estadista do país.
Filinto, após a publicação de artigos do jornalista David Nasser transformados no livro “Falta alguém em Nuremberg” (onde foram julgados os nazistas após a derrota) virou o patrono da arma da tortura em nossa paróquia.
VARGAS, RESPONSÁVEL
Rose, ao biografá-lo, não o isenta das barbaridades cometidas na época, mas dirige um dedo duro em direção ao grande responsável, o ditador Getúlio Vargas (cf. p. 108 e 221).
Politicamente (não historicamente) livrou-se este de acusações, pois teve um receptor de costas largas para as mesmas, seu servil policial-chefe.
Criou este último o chamado “Quadro Móvel” (do qual ninguém fala até hoje), dirigido por seu sobrinho Civis Müller, que chegou a contar com mais de mil agentes, todos de identidades desconhecidas, apontados popularmente como “Os Invisíveis”.
O objetivo visado pelo “quadro” era encontrar e espiolhar os inimigos do governo, com utilização de métodos e fundos ilegais: gravações, fichas, ordens ilegais, fundos secretos, etc. (cf. p. 141-142).
FOI PENDULAR
O nosso ditador tinha conduta política pendular, ora inclinado aos aliados ora aos fascistas, e temendo uma nova aventura comunista no país (após a quartelada de 1935), autorizou Filinto a contatar nazistas, fascistas italianos, argentinos, norte-americanos e ingleses.
O policial Affonso Henrique de Miranda Corrêa foi enviado às ditaduras da Alemanha e Itália e passou cerca de sete meses na Europa “a fim de trocar informações”, sendo condecorado por autorização do famigerado Heinrich Himmler, o mega policial do nazismo (cf. p. 122).
REPRESSÃO BRUTAL
A repressão aos revolucionários comunistas de 35 (os principais eram estrangeiros) foi brutal: a guarda-costas e amante do chefete e delegado do Comintern Prestes foi entregue aos nazistas por ordem de Getúlio, mesmo estando grávida, e morreu em campo de concentração; o alemão Arthur Ernest Ewert enlouqueceu nas torturas, sua esposa foi violentada e abusada sexualmente; o americano Victor Allen Barron foi lentamente seviciado até a morte.
As selvagerias ocorriam à noite, “depois que Filinto tinha ido para casa” (cf. p. 124).
Sustentou ele, anos depois, “que nunca dera nenhuma ordem para torturar pessoas”.
UM ESTRANGEIRO
Quem nega a autoria do crime espera absolvição, mas não apaga com a negativa a existência material do mesmo.
Filinto tem suas responsabilidades pelas práticas nos porões da ditadura realizadas em defesa do governo Vargas.
O grande beneficiado pelas mesmas não pode esconder-se atrás do esfumaçamento de seus charutos, seus cativantes sorrisos, e sua ação social até hoje ainda endeusada.
É lamentável que venha exclusivamente de um brasilianista estrangeiro as acusações diretas ao ditador, ao biografar um personagem que pode ser definido como “pau mandado”.
No prefácio às memórias da filha de Vargas Alzira, sua neta Celina foi enfática ao comentar o futuro lançamento do segundo volume da biografia de seu avô, referente este ao Estado Novo, de Lira Neto: “Creio que não irei ler o próximo volume”.
As razões de tal diálogo são evidentes, pois Celina é historiadora da fundação que leva o nome do avô.
Ela sabe das coisas.
(*) ANTENOR DEMETERCO JR, advogado, desembargador aposentado do TJ Pr; especialista em História do Século 20