MAS AINDA “VOTAR EM IRMÃO” É IMPORTANTE
30 de outubro de 2017 – Ao encerrar esta série, reconheço ter ido muito além da análise da pouco influência das igrejas na decisão do voto de seus membros. Essa realidade foi, no entanto, apurada pela pesquisa DataFolha conhecida na semana passada.
Foi de caso pensado que alarguei os horizontes, procurando dar ao leitor uma visão mais ampla de aspectos que podem ou não definir o chamado “voto crente” no Brasil. Eu, como afirmei, tenho certeza que as igrejas influenciam muito, se não por introduzirem às suas assembleias candidatos depois maciçamente bem votados, pelo menos por propiciarem convívio de aspirantes a cargos executivos e legislativos que nas comunidades.
MÃOS ESTENDIDAS
O antigo “slogan” – “irmão vota em irmão” -, que tanto marcou os primórdios do envolvimento de igrejas evangélicas na política, ainda vale. É certo, no entanto, que cresce muito o número de evangélicos desigrejados, assunto já abordado meses atrás neste espaço. São evangélicos que, sem deixar de ser considerar como tais, não mais fazem parte do rol de membros de qualquer igreja.
Nesse ponto é curioso observar: a IURD, Universal do Reino de Deus, de enorme repercussão, dona de horários em dezenas canais de televisão no país, não revela o número de seus membros. Existem até indicadores de que, na prática, estaria “desinchando”. Não são referências oficiais sobre o assunto.
SEM UNIFORMIDADE
Insistido com os jornalistas quando me apresentam “cases” do poder evangélico, em apontar-lhes que devem tratar esses grupos religiosos não como bloco uniforme, tal como acontece com a Igreja Católica, que só tem um Pastor. E mesmo na Santa Madre, as dissonâncias são grandes.
Ainda, apesar de também sofrendo sangria em seus quadros, são ainda as igrejas protestantes tradicionais – como a Presbiteriana do Brasil – que mostram-se muito vigorosas em certas ocasiões. O mesmo não acontece com a outrora Igreja de coloração e origem étnica (dos alemães que começaram a chegar ao Brasil nos anos 20 do século 19), a Luterana Sinodal.
Os sinodais dão a impressão de parco poder de arregimentação. A ponto de as grandes festas até agora pelos 500 Anos da Reforma terem se expressado de maneira eloquente pelos presbiterianos.
COM ELA TUDO COMEÇOU
Não posso encerrar esta série sem lembrar os primeiros estudos, anos 1970, da Editora Duas Cidades (dos dominicanos), da professora de Sociologia da USP, Beatriz Muniz Souza, sobre o avanço evangélico. Foi a primeira obra séria que li em minha vida. Li com a devoção de quem se alimentava de um maná, alguém que quis aprofundar esse tema da antropologia. Nome do livro: “Uma teoria de salvação”.
Dias atrás, em setembro, como exemplo da expansão do chamado “mundo crente”, a imprensa noticiava que grupo de evangélicos fizeram, no Rio, uma mãe de santo colocar fogo no seu terreiro, por ser “coisa do diabo”.
Eles foram identificados como “traficantes evangélicos”, uma contradição.
Isso me fez lembrar os anos 1950/60, quando grupos católicos perseguiam terreiros, centros espíritas e igrejas evangélicas com igual furor.
“ORAÇÃO DE TRAFICANTE”
Para quem interesse em ir além da mera informação jornalística, passo uma sugestão de primeira qualidade: a leitura do livro “Oração de Traficante”, da professora, doutora Christina Vital, da Universidade Fluminense.
A editora do livro amplia as informações: “Anos de estudo de campo em favelas e periferias do Rio de Janeiro levaram a professora da UFF Christina Vital a concluir que a ascensão das igrejas pentecostais reconfigurou a relação entre religião e tráfico.”
O trabalho de Vital ocupou-lhe muitos anos, de 1996 a 2009, nas favelas do Acari e no morro Dona Marta, de 2005 a 2009.
A obra aponta o crescimento da “gramática pentecostal” – visão de mundo baseada em crenças que afetam a economia, a política, a cultura, a sociabilidade e até mesmo a criminalidade nesses espaços.
Uma das marcas dessa realidade foi a “expulsão” que eles promoveram de imagens de santos e crucifixos que antes identificavam pontos das favelas. A extensa análise resultou no livro “Oração de Traficante: uma etnografia”, financiado pela Faperj e lançado como fruto de sua tese de doutorado em Ciências Sociais pela Uerj.