ASSIM COMEÇOU O VOTO “CRENTE”
Se nos grupos neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) a influência dos pastores, indicando candidatos pode chegar até 28% de sucesso, o mesmo não ocorre com as igrejas históricas. Hoje elas estão praticamente sem representantes eleitos pelo voto popular na Câmara dos Deputados. No Senado, têm o senador Magno Malta, batista.
Já no geral das igrejas, segundo o DataFolha, só 2 de 10 consultados atendem indicações de pastores para votar em alguém.
As assembleias de Deus, segundo a mesma avaliação, são igrejas que mais conseguem influenciar suas membresias.
Até os meados dos 1970s os pentecostais consideravam “coisa do mundo” se envolver em política.
Pelo que me lembro, foi Manoel de Mello, da pentecostal Brasil Para Cristo, que abriu o caminho do chamado “voto crente”. Poderoso em São Paulo, o ex-pedreiro Mello fez aliança com os Diários Associados, ajudando a eleger um de seus diretores à Câmara dos Deputados.
Mas envolvimento sistemático entre políticos e as igrejas históricas ocorre partir dos 1960. Foi a abertura do protestantismo brasileiro à vida partidária e à busca de representação no legislativo e executivo.
Depois, na medida em que os pentecostais e neopentecostais começaram a corrida em busca de votos, anos 1970/80, as coisas mudaram para as essas igrejas.
RARIDADES
Lembro-me que, nos anos 1960 eram raridade os protestantes (ou evangélicos) na política, em partidos políticos em busca de mandatos.
Dos primeiros de que me lembro, avulta o nome de Aurélio Vianna, que se fez deputado federal pelo antigo PSB-AL (de João Mangabeira); anos depois, Vianna conseguiu eleger-se pelo RJ à mesma Câmara.
Aurélio Vianna era uma peça rara: os nacionalistas o exibiam como homem especial, de moral ilibada, religioso batista, orador de enorme poder de comunicação. Era raridade porque com ele – e outros poucos – abriam-se as portas da política partidária, até então vista como não permitida à vida dos crentes.
Vianna, identificado com o programa de reformas pregado por João Goulart, não foi poupado: esteve nas primeiras listas de cassações de mandatos políticos, a partir de 1964.
GRANDES ORADORES
Dessa fase pioneira dos evangélicos conquistando votos, todos eles pertenciam a igrejas históricas: Metodista do Brasil, Luterana Sinodal ou Luterana do Brasil, Presbiteriana do Brasil, Anglicana/Episcopal. E também à Adventista do Sétimo Dia.
Nesse período, tornou-se icônica a presença de Camilo Aschcar, presbiteriano do Brasil (há outros presbiterianos, como os Independentes), como representante de São Paulo na Câmara dos Deputados; era um calvinista voltado ao interesse comum, o que o levava a cultivar especialmente o eleitorado católico, então quase 98% da população brasileira.
MINISTÉRIO DA PALAVRA
Com Aurélio Vianna, Camilo Aschcar, João Ferreira, no Amazonas (batista) e Ruy Ramos (metodista) PTB-RS, o mundo evangélico foi-se expondo. Era de início, “raridade”.
Nesse grupo havia características comuns: todos eles eram bons oradores, empolgavam multidões. O que se explica com facilidade, pois o chamado “ministério da Palavra” é a mais forte característica do protestantismo. Ao contrário do catolicismo, centrado na liturgia – a encenação “teatral” da fé -, os crentes daqueles dias eram reconhecidos por “falarem muito bem”. Essa qualidade sustentou, por exemplo, Ruy Ramos em sucessivas eleições no Rio Grande do Sul, estado onde o espírito do gaúcho busca ardorosamente bons oradores.
OLAVO GARCIA E OS LOSSO
Gaúcho sem discurso, naqueles dias, pouco valia…
No Paraná, me lembro de Olavo Garcia, de Londrina, assumindo mandato na Assembleia. Creio que era presbiteriano.
Por questão de justiça tenho de lembrar a família Losso: ela praticamente abriu o protestantismo histórico no Paraná à corrida a mandatos, a partir dos 1960. O clã teve tamanha expressão de votos que, em certos anos, os Lossos estavam na Câmara de Curitiba, na Assembléia Legislativa e na Câmara dos Deputados. Reinaram até parte dos 1980.
A SANTA SAI DE CENA
Para mim, a chamada “igreja evangélica”, muitas vezes assim nominada por protestantes na tentativa de aparentar unidade, não passa de exagero. É ficção. Não há unidade dentre eles. Concordo com o professor Moraes, da Mackenzie, para quem é preciso acabar com a interpretação errônea de que ser evangélico signifique ter pensamento e ação comuns. Nem aqui nem em qualquer outra parte do mundo. Afinal, eles não seguem o “Roma Locuta, causa finita…”
De qualquer forma, quando lanço minha visão retrocognitiva da evolução do “mundo crente” na política, cito o que acontece agora na Assembléia Legislativa do Paraná: a presença de deputados que se qualificam como evangélicos é tão grande que até mesmo a capela, outrora apenas católica, teve de se adaptar aos novos tempos. Assim, quando há cerimônia católica, descobre-se uma imagem de N.S.Aparecida; quando o culto é evangélico, a santa sai de cena, entra a Bíblia…
(SEGUE )