quarta-feira, 12 novembro, 2025
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Marcus Gomes: O rato, a anta e a perua

Um piloto de F-1 pediu um táxi em São Paulo. Viveu o pior dia de sua vida. As manobras do motorista eram arriscadas demais até para um virtuose das pistas de corrida. Durante 40 minutos, ele sacolejou à direita e à esquerda e sofreu horrores com as freadas bruscas. Quando desembarcou em um hotel na zona Sul, demorou a acreditar que escapara ileso.

No jantar, comentou a aventura com um amigo que visita o Brasil frequentemente. E ouviu dele uma explicação pouco lisonjeira sobre o instinto primitivo dos motoristas. Algo sobre tacape, grito primal e brutalidade inata. São Paulo é a capital do país com os piores condutores. A pesquisa é da Gambling, uma empresa de marketing digital, que entrevistou 2 mil pessoas em diferentes estados.

O resultado do levantamento trata de uma percepção aliada à densidade populacional e à frota de veículos. A taxa de acidentes de trânsito em São Paulo é de 16,4 por 10 mil habitantes. A de Curitiba, 15,9 por 10 mil. São Paulo tem 12 milhões de habitantes e 9,5 milhões de veículos. Em Curitiba essa relação é de 1,8 milhão para 1,5 milhão. Já dá para imaginar onde quero chegar.

Em 1997, a prefeitura de Curitiba lançou uma campanha publicitária comparando motoristas a animais. O rato, a anta, a perua. Faltou a capivara, a mascote da capital paranaense, mas creio que está incluída na categoria dos roedores. Cada animal foi relacionado a uma infração de trânsito. Rato para quem furava o sinal vermelho. Anta para quem atrapalhava os cruzamentos. Perua para quem estacionava em fila dupla. Foi um sucesso. Principalmente entre as crianças, que logo se sentiram autorizadas a dizer: “Papai, você é um rato”. “Mamãe, você é uma perua”. E assim por diante.

O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná era o deputado Aníbal Khury. Ele atacava a indústria de multas de Curitiba e prometia declarar guerra à prefeitura. Sob sua ordem, a polícia prendeu um guardinha de trânsito por multar carros de parlamentares. Um piazinho gritaria: “Anta!”.

A campanha surtiu efeito, mas não por muito tempo. Logo foi preciso juntar outros animais ao zoológico de motoristas. Até que perdeu a graça. Então, os curitibanos retornaram aos seus antigos hábitos: atropelar gambás assustados, buzinar desbragadamente, dar seta à esquerda para entrar à direita, espantar idosos no meio-fio.

No Japão, o motorista que atropela um pedestre é obrigado a sustentá-lo caso os danos causados sejam irreversíveis. O cálculo é feito sobre os ganhos futuros, considerando a profissão da vítima e a sua estimativa de vida. Os japoneses vivem, em média, 87 anos. Já dá para imaginar onde quero chegar.

Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito, condomínios e assuntos do dia a dia. Sugestões de conteúdo para redacao@bonijuris.com.br

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