quarta-feira, 8 outubro, 2025
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Carol Macedo: Charutos, bebidas e a ilusão do rótulo

É curioso como, quando algo nos convém, nós não questionamos. Double drinks a preços irreais, festas open bar, promoções que parecem um grande sonho. Eu trabalho com bebidas e sei que, em alguns casos, as margens podem ser interessantes, isso não é segredo. Mas quando você consome em um bar, além do valor de cada dose no seu drink, há também o valor do mixologista que desenvolveu aquela receita, do bartender que executou o drink, do garçom que levou até a sua mesa. Há o custo da poltrona onde você está sentado, do ar-condicionado, da equipe de limpeza, da música, do marketing que fez você chegar até ali. E, claro, uma infinidade de impostos e taxações. Aquela margem que parecia tão confortável começa a ficar cada vez menor, não é mesmo?

Agora imagine um mercado paralelo de bebidas que movimentou 88 bilhões de reais no Brasil no último ano, segundo o anuário da falsificação da ABCF 2025. Não estamos falando de algumas garrafas perdidas. Também não estamos falando apenas de bebidas adulteradas com metanol. Muitas vezes é só uma bebida mais barata colocada dentro da garrafa de uma mais cara, ou ainda uma bebida diluída em água.

Quando entrei no mercado de charutos, eu sempre bati nessa tecla: você pode pagar mil reais por um charuto que vale cinquenta, ou até acender folhas de bananeira enroladas. No mercado paralelo não há como saber. E, diferente de uma bolsa falsificada, o charuto você coloca na boca; a bebida, você ingere. A escolha é pessoal, mas, da mesma forma que você desconfia da bolsa, deveria desconfiar também do charuto e da bebida.

Eu não culpo a população por consumir esses produtos. Todos são vítimas. Lamento profundamente que algumas pessoas tenham prejuízos para a vida toda e outras até tenham perdido a vida. É de uma tristeza imensurável. É urgente a necessidade de maior fiscalização, mais do que urgente. Não consigo acreditar que alguém deliberadamente tenha colocado metanol nas bebidas sabendo do risco, nem que alguém tenha comprado de forma consciente. Mas quando falamos de um mercado tão grande, sabemos que há quem venda ciente dos riscos e há quem compre da mesma forma. Onde há mercado, há oferta e demanda.

Sempre digo que existem dois tipos de consumidores de charutos falsificados: aqueles que não conhecem o produto e são enganados, e aqueles que preferem ser enganados, mais preocupados em ostentar uma anilha valiosa do que em viver uma boa degustação. Talvez o mundo das bebidas não seja tão diferente.

Que tristeza. Que as investigações avancem com rapidez, e que em breve possamos falar de outros assuntos também tão urgentes ao nosso país, mas fazendo isso da melhor forma: à mesa de um bar, degustando bons drinks.

*Carolina Macedo é curitibana, empresária, cigar sommèliere e pioneira no universo dos charutos, atuando à frente da Bulldog Tabacaria e abrindo espaço para mais mulheres no setor. Fala sobre este universo, além de agendas de cultura e lazer.

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