Por Diego Antonelli (texto publicado originalmente no livro TJPR: 130 anos de história, lançado em 2021) – Apesar de o regime monarquista no Brasil ser abolido em 15 de novembro de 1889, demorou quase dois anos para que uma Constituição Brasileira Republicana fosse, enfim, colocada em prática. Criada em fevereiro de 1891, a primeira Carta Magna do novo regime trouxe diversas inovações para a sociedade brasileira.
O estabelecimento da independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; a separação entre a Igreja e o Estado, não sendo mais assegurado à religião católica o status de religião oficial; e a possibilidade de que cada estado pudesse criar seu próprio Tribunal de Justiça foram alguns dos marcos da chamada Constituição Republicana.
Enquanto isso, os estados brasileiros elegiam suas assembleias constituintes para, em seguida, cuidar de seus próprios tribunais. Deste modo, mesmo com a Proclamação da República em 1889, a Justiça do estado manteve-se ao longo de quase dois anos na dependência das decisões tomadas no Tribunal sediado em São Paulo.
Durante discurso do presidente estadual provisório General José Cerqueira de Aguiar Lima aos deputados estaduais, em maio de 1891, ele já alertava a necessidade de “organizar a magistratura, tornando-a independente, para que seja uma verdadeira garantia para o cidadão”.
Assim, a Assembleia Constituinte do Paraná, em 12 de junho de 1891, promulgou a Lei número 03, que autorizava o então presidente do Estado, Generoso Marques, a organizar – de forma provisória – todos os serviços públicos – inclusive o Poder Judiciário. Marques tinha assumido o posto dias antes – em 03 de junho – e seria ele o responsável por fazer a divisão judiciária e administrativa, decretar a Lei Orgânica da Magistratura e realizar as primeiras nomeações dos magistrados.
A partir dessa legislação, o presidente Generoso Marques podia dar início a Constituição do Paraná. O Paraná daria adeus à dependência do Judiciário paulista 38 anos depois da emancipação do estado.
Três dias depois da promulgação da lei, por meio do Decreto n° 01, o presidente do Estado do Paraná criou o Tribunal de Apelação que seria composto por cinco desembargadores, nomeados pelo Presidente do Estado. Os desembargadores seriam nomeados dentre os juízes de direito com exercício de quaisquer funções públicas no Estado, atendendo aos critérios de merecimento e de antiguidade.
Por meio desse decreto, a jurisdição de primeira instância seria exercida nas comarcas por juízes de Direito; e nos Termos por juízes municipais, tribunal do Júri e juntas correcionais e nos distritos por juízes de paz. A Constituição Estadual do Paraná ainda determinava que a 1ª instância iria abarcar os juízes distritais, municipais e de direito, os tribunais de júri e os tribunais de correição.
Os juízes de Direito eram magistrados vitalícios, que seriam nomeados pelo Presidente do Estado, dentre os juízes municipais e promotores públicos que tivessem pelo menos quatro anos de exercício. Os juízes municipais seriam nomeados por quatro anos e graduados em Direito com um ano de prática; já os distritais seriam eleitos por quatro anos. A partir de então, juízes e promotores passaram a ser escolhidos, nomeados e pagos pelo Estado do Paraná.
Por meio do Decreto número 01, Generoso Marques dividiu o estado em oito comarcas e 17 termos. As oito comarcas eram: Curitiba, Paranaguá, Lapa, Ponta Grosa, Castro, Boa Vista, Guarapuava e Palmas. A sede do Tribunal de Apelação, hoje Tribunal de Justiça do Paraná, seria na capital do estado, em Curitiba.
O 35° artigo do decreto determinava ainda as competências do Tribunal de Apelação. Caberia ao órgão proceder e julgar o Presidente do Estado, os magistrados vitalícios e procurador da justiça nos delitos comuns e de responsabilidade decorrentes da função exercida, e o secretário ou secretária de estado e o chefe de polícia somente nos delitos de responsabilidade.
O Tribunal passaria a ser a 2ª instância de julgamento para todo o território paranaense, decidindo também os conflitos de jurisdição entre as autoridades judiciárias e as administrativas. Passaria a julgar apelações interpostas das decisões proferidas em 1ª instância em causas cíveis comerciais, criminais e ligadas à questão de órfãos e menores abandonados.
O decreto ainda ressaltava que o “Poder Judiciário é independente e soberano em suas decisões”. Ficou determinado que o Tribunal deveria ser instalado oficialmente no dia 01 de agosto de 1891. Assim foi feito.
Primeira reunião

A primeira reunião ocorreu em ato solene na Sala do Congresso Estadual com a presença dos cinco primeiros desembargadores do Paraná: José Alfredo de Oliveira, Joaquim Ignácio Silveira da Motta Júnior, Emigdio Westphalen, Conrado Caetano Erichsen e Augusto Lobo de Moura.
O Edifício do Congresso, segundo o Correio Oficial do Paraná de 1891, ficava na Praça Eufrásio Correia, em Curitiba. A partir de 26 de setembro daquele ano, o Tribunal passou a ter sede na Rua Dr. Muricy, antiga Rua da Assembleia, esquina com Cândido Lopes ao lado do antigo Teatro São Teodoro.
O primeiro presidente foi José Alfredo de Oliveira por ser o magistrado com mais tempo de carreira. A sua eleição foi definida em sessão realizada no dia 04 de agosto de 1891. Ele ficou nessa função até o ano de 1894.
Dez dias depois, no dia 14 de agosto, ocorreram as primeiras entregas de correspondências administrativas efetuadas pelo Tribunal de Apelação do Paraná. Eram 16 ofícios que foram entregues nos Correios com a assinatura do primeiro funcionário da Corte estadual – José Francisco Ribeiro Braga, que havia sido nomeado para o cargo de “porteiro”, conforme consta em ata. O primeiro escrivão que atuou neste começo da trajetória do Tribunal paranaense foi Miguel de Jesus Pereira de Andrade.
Conforme consta no livro ata “Registro por Ordem Cronológica do Tribunal de Apelação – 1891-1899”, entre agosto e dezembro do primeiro ano de funcionamento do Tribunal foram registrados 33 processos apreciados em 2ª instância pela Corte.
O primeiro processo que entrou no Tribunal de Apelação foi no dia 27 de agosto de 1891, oriundo de Ponta Grossa. Tratava-se de uma Apelação Criminal. Os apelantes eram Juvenal Cerqueira e Amâncio José dos Anjos. O segundo, datado do dia 9 de setembro, era uma apelação criminal de Palmas, em que o apelante foi o cidadão Antônio Firmino dos Santos. O mês de novembro foi o que mais registrou entrada de processos durante o primeiro ano de funcionamento da Corte – um total de 18.
Mas a saga do Tribunal de Apelação – pelo menos com esse nome – foi curta. Uma reforma constitucional extinguiu o chamado “Tribunal de Apelação”, que fez sua última sessão em 24 de maio de 1892. A partir dessa data, o nome da Corte de 2° e último grau do Paraná passou a ser “Superior Tribunal de Justiça”.
O “novo” Tribunal foi instalado em 31 de maio do mesmo ano e seus membros foram denominados ministros. Em 1892, foram registrados 35 processos e no ano seguinte, em 1893, 49 processos.
*Diego Antonelli é jornalista e escritor, reconhecido por seu vasto trabalho no jornalismo histórico e etnográfico no Paraná. Formado pela UEPG com mestrado pela UFPR, Diego é especialista em contar a história do Paraná, suas culturas e povos imigrantes. Autor de 16 livros.