terça-feira, 19 agosto, 2025
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Cultura: Cinemateca de Curitiba completa cinco décadas (3)

Dinah Ribas Pinheiro* – Última parte da matéria especial sobre os 50 anos da Cinemateca de Curitiba (confira a parte 1 e a parte 2).

Confira o relato de Carlos Marés, presidente da Fundação Cultural no período de 1983 a 1985 e secretário de Cultura do Município de 1986 a 1988. Ele fala sobre a expansão das políticas de Cultura naquele período de abertura política no Estado e no município:

Quando a Cinemateca se Espalhou pelos bairros de Curitiba

Em 1983, a Cinemateca de Curitiba, fundada oito anos antes, se chamava Cinemateca do Museu Guido Viaro. De fato, estava integrada ao Museu que homenageava e mantinha as obras de um dos mais expressivos artistas plásticos de Curitiba. Em 1995 mudou de local e deixou de homenagear o artista, passando a se chamar somente Cinemateca de Curitiba. O Museu foi fechado e depois reaberto em imóvel próprio, sob os auspícios da família do artista, sem participação pública.

Naqueles anos estavam sendo fechados os cinemas de Curitiba e das demais cidades. Em Curitiba nem mesmo o Shopping Center inaugurado na época, como o Muller, continha sala de cinema. A política desenvolvida, então, pela Cinemateca e pela Fundação Cultural de Curitiba, sua mantenedora, foi lutar contra o fim de salas de cinema. A começar pela sala pública existente, chamada Cine Groff, localizada na Rua XV, na Galeria do mesmo nome. Foi assim que, na contramão do fechamento, o Cine Groff passou a ter sessões diárias e intensas, inclusive à meia-noite.

Essa política, que também intensificou as exibições na Cinemateca, fez a Prefeitura exigir como contrapartida às ocupações de solo, no centro da cidade, a abertura de espaço para artes. Foram abertos dois cinemas mais, o Cine Luz e o Cine Ritz, em homenagem a duas grandes salas privadas fechadas no Centro, em troca de uso do solo da CIA e do City Bank. Administrados pela Fundação Cultural e com programação adotada pela Cinemateca, passaram a ser opções reais para bons filmes. Ambas as salas foram devolvidas aos proprietários das empresas e deixaram de ser cinema.

Na época, um quarto cinema foi aberto, no bairro do Portão, no Centro Cultural do Portão, juntamente com o Museu Municipal de Curitiba que havia recebido por doação um imenso e valioso acervo de Poty Lazzarotto. Era o Cine Guarani, também em homenagem não só ao povo que deu nome a Curitiba, mas a outro cinema de rua, fechado pouco antes, no bairro do Bacacheri. O novo espaço foi instalado junto com o Museu e o acervo de Poty, e passou a compor o conjunto de cinemas públicos de Curitiba: Cinemateca, Cines Groff, Rits, Luz e Guarani. É difícil imaginar uma cidade com tantos cinemas púbicos. Mas era a política de Cultura da época. Todos eram programados e impulsionados pela Cinemateca do Museu Guido Viaro.

Cine Guarani, no Portão Cultural

O Cinema passou a ocupar um lugar de destaque na Política Cultural, que passou a buscar os bairros mais distantes e às atividades junto à população mais carente de espaços culturais. A dificuldade era a falta de espaço físico. Então a Cinemateca passou a implementar o Projeto que foi chamado “Cinema para Todos” que tinha o propósito de levar o cinema aos bairros. Uma vez por semana, em geral de noite ou em matinês no final de semana, sempre na mesma hora e local, chegava um carro com o equipamento de projeção e com um filme novo, de tal forma que um mesmo equipamento poderia atender a dez bairros, o que não acontecia na prática porque raros bairros aceitavam ou mantinham o cinema nas segundas feiras.

O equipamento era simples, um projetor 16 mm, uma parede branca ou lençol e um excelente filme. A programação era fechada pela Cinemateca o que garantia uma escolha criteriosa de filmes de qualidade. Para manter o cinema ambulante bastava que a comunidade do bairro garantisse lotação mínima nas projeções que eram, obviamente, gratuitas. De 1985 a 1988 vários equipamentos foram comprados, então era enorme a quantidade de bairros atendidos e como nem todos conseguiam manter o interesse e a freqüência, sempre havia bairros em lista de espera.

Os frequentadores do Projeto “Cinema para Todos” ganhavam ingressos para ir aos Cines Groff, Ritz, Luz, Guarani e a sala da Cinemateca em suas programações. Com isso ia se formando platéia cada vez mais exigente que começava a não se conformar com a precariedade das projeções nos portáteis 16 mm que eram levados aos bairros. As reclamações eram consideradas um bom resultado. Sempre se fazia enquete sobre os filmes projetados e o que mais teve sucesso, tendo que ser repetido, foi Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade. Também fez sucesso Eles Não Usam Black-tie, de Leon Hirszman. Os filmes escolhidos variavam muito desde A Estrada da Vida de Federico Fellini, até Trapalhões na Serra Pelada, de J.B. Tanko. A relação de filmes projetados em 1985 chegou a 48 títulos, de cineastas como Silvio Back, Hugo Carvana, Vittorio de Sica, Cacá Dieques, Frederico Fullgraff, Hector Babenco, Chaplin, Elia Kazan, Roberto Santos, Nelson Pereira dos Santos, etc.

A Cinemateca do Museu Guido Viaro passou a ter uma política de aquisição de acervo nesse período. Adquiria principalmente filmes de paranaenses ou de temas do Paraná. Como exemplo, no ano de 1988, último ano dessa política, foram 13 filmes incorporados, neles quatro filmes de Silvio Back. Os filmes incorporados pela Cinemateca eram projetados nos cinemas de centro e no Projeto Cinema para Todos e tinham a finalidade de preservação da cultura cinematográfica paranaense”.

Cinemateca atual

Foto: Cido Marques

Marcos Sabóia, atual coordenador, relata que deve sua formação de cinéfilo à Cinemateca. “Frequentei suas salas, participei de cursos de formação, tornei-me funcionário, preservador do acervo, orientador de cursos e por último, e menos importante, atual coordenador. Os cineastas que amo e os filmes com os quais me identifico foram todos apresentados a mim (e a inúmeros outros) naquele espaço”.

Marcos prossegue: “A sede da Cinemateca, no seu início, ficava em um anexo do Museu Guido Viaro o que leva os dinossauros do cinema a se referirem a ela, ainda hoje, como Cinemateca do Museu Guido Viaro. Lá eu me lembro de ter assistido Apocalipse Now, abraçado a uma coluna de madeira que ficava no meio da sala. Naquela ocasião vi também uma mostra completa de Fassbinder e de outros diretores do “Novo Cinema Alemão”. O Cine Groff ficava nos fundos de uma galeria no calçadão da Rua XV de Novembro, uma sala pequena onde fui apresentado ao cinema de Tarkovski e a algumas sessões da meia-noite. Os cines Luz e Ritz também ficavam na rua XV de novembro. Com as mudanças nas regulações de espaços coletivos as salas foram fechando. Os cines Luz e Ritz funcionam hoje no Cine Passeio, da Fundação Cultural de Curitiba, mas sem a gestão da Cinemateca e sim de uma Organização Social –OS”.

“Uma das características da Cinemateca e que é marcante em sua história, além do conhecido tripé, preservação, pesquisa e difusão, são os cursos práticos. Numa época em que o cinema local se limitava basicamente à produção superoitista, foram trazidos para cá roteiristas, fotógrafos, montadores e diretores a exemplo de Ozualdo Candeias, Eduardo Escorel, Rogério Sganzerla, Walter Carvalho, Silvio Tendler, Thomas Farkas, Vladimir Carvalho, Jean- Claude Bernadet e Mauro Alice. Dessa turma participei de um curso prático ministrado pelo Candeias (que fez várias outras produções) e que resultou no filme Sr. Pauer, de 1987. Estes cursos formaram uma geração de cineastas, conhecidos como Geração Cinemateca. Os anos 1980/1990 geraram um segundo grupo de futuros cineastas conhecido como Turma do Balão Mágico. Quase todos eles seguiram carreira na área do cinema e estão na ativa ainda hoje. Minha parceria com Nivaldo Lopes (Palito), teve início em 1994, quando me tornei servidor na Fundação Cultural de Curitiba e fui designado para a Feira do Poeta onde ele trabalhava.  Nivaldo já cineasta praticante é famoso pelo filme a Guerra do Pente”.

Marcos Saboia. Foto: Cido Marques

Marcos continua suas memórias: “Só para citar a generosidade do Mauro Alice, ele doou, para o Palito e para mim, sua moviola Prevost 16 e 35 mm, que foi instalada nos fundos da minha casa e que permitiu que montássemos dezenas de filmes produzidos em Curitiba, grande parte deles realizados por estes jovens formados pela Cinemateca”

Em 1993, foi instituída a Lei Municipal de Incentivo à Cultura e a conseqüente retomada da produção cinematográfica local, pois, através da Lei foi possível conseguir verbas para dinamizar a feitura dos filmes. Marcos cita como exemplo, a possibilidade de alugar as câmeras 35 mm que eram trazidas de São Paulo, já que não havia câmeras desta bitola disponíveis em Curitiba. “Com a retomada da produção de cinema, graças à Lei de incentivo, o Palito me convidou para ajudá-lo em seus filmes. Vieram outros convites, quase sempre da Turma do Balão Mágico. Na nova e definitiva sede, inaugurada em 1998, a Cinemateca já contava com salas climatizadas, e as películas acondicionadas nas embalagens plásticas padrão. Assumi, a princípio, o acervo de vídeo. Depois fui fazer um treinamento na Cinemateca Brasileira, o que se tornou uma experiência marcante. Lá conheci todos os procedimentos do arquivamento fílmico. Meus contatos com aquela instituição prosseguiram no Congresso da FIAF, em 2006, com os encontros do SIBIA, entre outros”.

“Na nova e definitiva sede, inaugurada em 1998, a Casa já contava com salas climatizadas, as películas eram acondicionadas nas embalagens plásticas Na volta do treinamento trouxe comigo um disquete com o sistema de indexação WINISIS, usado na Cinemateca Brasileira. Com adaptações feitas pela equipe de gestão de informações da Fundação, foi iniciada a indexação das informações do acervo, nesta época eu era o único funcionário do setor. Hoje a indexação se dá com o programa Pergamum e conta com cerca de 3500 entradas em película”.

“Recentemente ,passamos por reformas estruturais e de aquisição de equipamentos. Nossa sala é a única na cidade com projeção em 35 mm e DCP. Possuímos ainda um scanner Cintel 35/16 mm. No ano passado, exibimos filmes para 15 mil pessoas. Passamos hoje pelas dificuldades comuns às instituições públicas (como falta de funcionários), mas a Fundação Cultural de Curitiba ainda é um órgão do município bastante robusto, com mais de 60 equipamentos culturais espalhados pela cidade. Diferentemente de 50 anos atrás, a capital paranaense conta hoje com uma produção notável de obras audiovisuais, cursos universitários de cinema e também com uma Film Comission ativa. A Cinemateca de Curitiba recebe de portas abertas todos os que desejam mostrar seus filmes com qualidade na tela grande, inclusive os grupos vulneráveis, que nunca puderam entrar em um cinema, crianças e jovens que descobrem filmes que nenhum algoritmo aponta”. Encerra.

Os diretores

A Cinemateca foi dirigida nesses 50 anos por Valêncio Xavier (1975-1983, Francisco Alves dos Santos (primeira fase, 1983 a 1989), Clara Satiko (1990-1991), Francisco Nogueira (1991-1994), Aparecido Bueno Marques (1995 -1997), Verginia Zanini (1998-1999), Paulo Biscaia (1999-2002), Tânia Zaruch (junho 2002 a janeiro de 2003), Christine Batista (a partir de fevereiro de 2003), Francisco Alves (segunda fase, 2004-2009), Solange Stecz (2009-2012), Valéria Teixeira (2017-2019), Thaisa Teixeira Sade e Marcos Sabóia (a partir de 2012).

*Dinah Ribas Pinheiro é jornalista e escritora, especialista em Jornalismo Cultural. Trabalhou por duas décadas na Assessoria de Imprensa da Fundação Cultural de Curitiba. Exerceu a mesma função na Escola do Teatro Bolshoi em Joinville. Assessora de Comunicação no BRDE e no espaço cultural do Palacete dos Leões. É autora dos livros “A Viagem de Efigênia Rolim” nas Asas do Peixe Voador e “Teatro de Bonecos Dadá-Memória e Resistência”.

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