quinta-feira, 14 agosto, 2025
HomeOpinião de ValorLuiz de Souza: Realismo fantástico brasileiro em Baku

Luiz de Souza: Realismo fantástico brasileiro em Baku

O artista plástico catarinense Luiz de Souza comemora 30 anos de carreira com uma retrospectiva no Centro Heydar Aliyev, o maior centro cultural do Cáucaso, em Baku, capital do Azerbaijão. A exposição Reflexões da Eternidade, abriu em maio e permanece em cartaz até abril de 2026, com 39 obras inspiradas no realismo fantástico, divididas em três esculturas e 36 quadros em óleo sobre tela. A mostra acontece no Salão Principal do espaço, que já recebeu coleções de artistas como Andy Warhol, Salvador Dalí e, no ano que vem, Botero.

A história desta exposição começou de forma inusitada. Em 2024, Souza, em meio a mensagens no Instagram, recebeu um convite oficial para expor no Centro Heydar Aliyev. No início, não acreditou, achou que fosse mais uma mensagem entre tantas que recebe do mundo todo. Mas a equipe do Azerbaijão insistiu tanto que ligaram para a galeria que o representa em Curitiba, a Um Lugar ao Sol. Foi aí que ele percebeu que era sério. A proposta: realizar uma individual inédita em Baku. O problema? O prazo. Luiz pediu um ano e meio para criar obras novas, mas ele teria apenas quatro meses para entregá-las. A urgência virou parte do conceito da exposição e acabou inspirando o tema central: o tempo.

Sem acervo disponível, Luiz recorreu a colecionadores para pedir empréstimos. Enquanto isso, ele acelerava a produção de novas peças, paralisava encomendas e corria contra o relógio. No fim, selecionou e enviou imagens de 48 obras disponíveis ou inéditas, das quais 39 foram escolhidas para compor a exposição. Destas 10 foram produzidas especialmente para a ocasião. Luiz de Souza lembra que durante esse processo estabeleceu um intenso diálogo com a curadoria do Centro Heydar Aliyev. “É importante lembrar que o empenho e a dedicação do sr. Anar Alakbarov, diretor do Centro e assistente do presidente da República do Azerbaijão, foram fundamentais para acontecer a exposição Reflexões da Eternidade”, reconhece.

 

A escolha das obras então foi, naturalmente, relacionada a ligação delas com o tempo, e a curadoria foi desenvolvendo o tema. O título escolhido sintetiza as investigações filosóficas presentes na trajetória do artista: o desejo humano de permanência, a busca por resistir ao tempo e o questionamento sobre o que realmente é eterno. “O ego do ser humano é sempre sobre isso, sobre a sua obra permanecer. Você morre, mas a sua obra fica”, reflete o artista, que encara o tempo e a eternidade como matéria e tema centrais em sua produção.

Essa reflexão perpassa toda a carreira de Luiz, que há décadas explora a tensão entre o efêmero e o duradouro em suas pinturas e esculturas. Em obras como Contagem Regressiva, com a figura em uma motocicleta que se move no sentido anti-horário em relação aos ponteiros do relógio, como se estivesse voltando no tempo para refazer o caminho percorrido, ou nas criações que abordam o extinto pássaro Dodô, Luiz questiona a arrogância humana e nossa tentativa de dominar a natureza e o tempo. “O eterno pode ser o momento em que a tua mãe te fez um carinho, ou uma construção que dura séculos”, pontua. Ao mergulhar por horas na pintura, o artista experimenta pessoalmente essa relatividade do tempo — “às vezes eu começo a trabalhar às 11 da noite e, quando vejo, o dia amanheceu”, comenta reafirmando sua busca constante por imortalizar sentimentos e reflexões e convidando o público para pensar sobre sua própria finitude e legado.

Luiz de Souza – Obra The Value of Time p

Uma curiosidade: as obras chegaram a Baku após uma saga em que o próprio tempo, tema central da mostra, virou personagem real. A Receita Federal entrou em greve e elas ficaram retidas 40 dias no aeroporto de Campinas. O artista, com viagem marcada, embarcou para o Azerbaijão antes delas, participando de compromissos oficiais enquanto aguardava as obras chegarem. Liberadas apenas dias antes, as peças foram montadas em tempo recorde. A abertura, no dia do aniversário do artista, reuniu quase mil convidados numa noite especial com música ao vivo e coreografia com os personagens da commedia dellarte, presentes em algumas obras de Luiz de Souza, interagindo com os espectadores. No fim, a mostra celebrou a arte brasileira e mostrou que o tempo pode ser um grande aliado quando se transforma em arte.

Luiz de Souza

Autodidata desde criança, Luiz de Souza desenha desde os três anos, sempre com um olhar imaginativo e fora do comum. Natural de Lauro Müller (SC), passou a infância encantado com as figuras coloridas dos circos que acampavam no terreno de seu pai, inspiração que ecoa até hoje em sua obra. O traço sempre foi realista, mas as cenas, alegóricas e cheias de fantasia, o aproximam do chamado realismo fantástico, estilo que ele abraçou após ser classificado assim por curadores europeus.

Antes de se dedicar à pintura, Luiz experimentou outras áreas: cursou contabilidade, estudou publicidade, fez teatro amador e trabalhou em escritórios. Foi em Joinville, ao se deparar com um artista ampliando um cartaz de circo, que entrou para o universo da publicidade como ilustrador, experiência que o aproximou ainda mais do desenho. Depois, trabalhou em vários locais, inclusive em Rondônia, sempre seguindo o instinto artístico.

A mudança definitiva para Curitiba marcou o início da trajetória como pintor profissional. Começou ilustrando para a Editora Expoente e, incentivado por um amigo, produziu suas primeiras telas , vendidas imediatamente em uma galeria local. De lá para cá, nunca mais parou. Luiz desenvolveu seu trabalho mantendo a liberdade criativa que define sua personalidade expansiva.

Hoje, com obras espalhadas pelo Brasil e Europa, Luiz de Souza transita principalmente no realismo fantástico, criando narrativas visuais cheias de cor e simbologia crítica. Seja em retratos, figuras alegóricas ou personagens inspirados na commedia dell’arte, sua pintura revela muito além do impacto estético inicial: há sempre uma história escondida, esperando ser descoberta.

Leia Também

Leia Também